Carla Velez (Resíduos): FEDER e Fundo de Coesão – Que futuro para os Resíduos face à proposta da CE?

Carla Velez (Resíduos): FEDER e Fundo de Coesão – Que futuro para os Resíduos face à proposta da CE?

Atualmente encontra-se ainda em vigor o quadro de apoios comunitários que se veio a designar por Portugal 2020, e que resultou do Acordo de Parceria 2014-2020, formalmente apresentado à Comissão Europeia no dia 31 de janeiro de 2014 e que se traduz na estratégia de Portugal para a aplicação dos Fundos da União Europeia no período 2014-2020. O Portugal 2020 veio estabelecer as prioridades de investimento necessárias para promover no nosso país o Crescimento Inteligente, Sustentável e Inclusivo. Estes princípios de programação estão alinhados com a ESTRATÉGIA EUROPA 2020.

O Acordo de Parceria adotado entre Portugal e a Comissão Europeia reúne a atuação dos cincos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), a saber: os três Fundos da Política de Coesão (Fundo Social Europeu, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e Fundo de Coesão), o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e o Fundo Europeu para os Assuntos Marítimos e as Pescas. Os FEEI financiam os Programas Operacionais do Portugal 2020, entre os quais o Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR).

O PO SEUR constitui um dos 16 programas criados para a operacionalização da Estratégia Portugal 2020 resultante do referido Acordo de Parceria, tendo por objetivo promover o crescimento sustentável de modo a contribuir para a transição para uma economia de baixo carbono com base numa utilização mais eficiente de recursos e na promoção de maior resiliência face aos riscos climáticos e às catástrofes, assente em 3 Eixos de Investimento: Eixo I - Apoiar a transição para uma economia com baixas emissões de carbono em todos os setores; Eixo II - Promover a adaptação às alterações climáticas e a prevenção e gestão de riscos; Eixo III - Proteger o ambiente e promover a eficiência dos recursos.

Dos Fundos acima referidos, que integram os FEEI, destacamos - pela sua importância para o desenvolvimento das políticas de ambiente e dos resíduos – o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) que visa contribuir para reduzir as disparidades entre os níveis de desenvolvimento das várias regiões e os atrasos das regiões menos favorecidas, consagrando especial atenção às zonas com desvantagens graves e permanentes em termos naturais ou demográficos; e o Fundo de Coesão, destinado a apoiar as ações no domínio do ambiente.

Ora, estando o atual quadro de apoios perto do seu termo, encontra-se em discussão, no Parlamento Europeu, uma proposta legislativa da Comissão Europeia relativa ao Regulamento sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e sobre o Fundo de Coesão que visa excluir o apoio financeiro a projetos de investimento para tratamento e valorização da fração residual dos resíduos urbanos e equiparados. Consideramos que, caso seja aprovada, esta proposta constituirá um sério obstáculo ao desenvolvimento do setor dos resíduos urbanos em Portugal.

Concretamente, sobre a proposta legislativa da Comissão Europeia, que visa regulamentar, para futuro, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Fundo de Coesão: “Proposal for a REGULATION OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on the European Regional Development Fund and on the Cohesion Fund. COM/2018/372 final - 2018/0197 (COD)”, a questão que nos preocupa prende-se com a proposta de redação constante do artigo 6º relativo à exclusão do âmbito de aplicação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Coesão, em que se dispõe que estes fundos não apoiarão, entre outros, investimentos em instalações de tratamento da fração residual (de resíduos, i.e. fração resto), conforme decorre dos termos da alínea e) do nº1 deste preceito.

No âmbito da discussão que está a ter lugar a nível europeu, a expressão “Residual waste” foi indevidamente traduzida em várias línguas, tendo-se contudo já clarificado que abrange os resíduos domésticos e similares, que os cidadãos não separam para recolha seletiva, e que, por isso, são recolhidos de modo indiferenciado, bem como os resíduos resultantes do seu processamento, nomeadamente refugos e rejeitados de Tratamentos Mecânicos e Biológicos.

A proposta avançada pela Comissão fundamenta-se no objetivo específico enunciado na alínea b) do n.º 1 do artigo 2:” «Uma Europa mais verde e hipocarbónica, promovendo a transição para uma energia limpa e justa, os investimentos verdes e azuis, a economia circular, a adaptação às alterações climáticas e a prevenção e gestão dos riscos», em particular a alínea vi) promovendo a transição para uma economia circular.

Sem prejuízo dos motivos invocados pela Comissão, a verdade é que muitos países europeus carecem ainda de investimentos de tratamento da fração residual, sob pena de, contrariamente ao preconizado na justificação apresentada pela Comissão, não cumprirem as exigentes metas estabelecidas no quadro do pacote de Diretivas aplicáveis ao Setor dos Resíduos no contexto da Economia Circular, a saber: reciclagem de 55% da totalidade dos resíduos urbanos em 2025, 60% em 2030 e 65% em 2035; reciclagem de embalagens de 65% em 2025 e 70% em 2030 e uma severa limitação do envio de resíduos para aterro sanitário a um máximo de 10% em 2035, entre outras. Deste modo, e sendo inquestionável que os investimentos públicos devem ser alocados prioritariamente a projetos e programas de minimização da produção de resíduos e de preparação para reutilização e reciclagem, é igualmente necessário prever ainda, para muitos países da União Europeia, o apoio para o tratamento da fração residual de resíduos, atendendo a que cerca de 12, entre os quais Portugal, ainda enviam mais de 50% dos resíduos urbanos para aterro.

Esta proposta deve merecer a devida atenção pelas entidades competentes para intervir na negociação que se encontra em curso a nível europeu, tendo em conta que, apesar da evolução positiva no setor dos resíduos, em Portugal, de acordo com as fontes oficiais de dados sobre o setor de resíduos, em 2017, dos cerca de 5 milhões de toneladas de resíduos produzidos, 57,4% foram depositados em aterro sanitário, 20,6% enviados para valorização energética e 32% foram reciclados, o que nos afasta de modo muito considerável das metas que resultaram das alterações introduzidas nas Diretivas aplicáveis ao Setor dos Resíduos no âmbito do Pacote das medidas adotadas para a Economia Circular.

As regras até agora vigentes para aplicação dos fundos públicos para o tratamento de resíduos vão no sentido de que esses fundos possam ser utilizados para instalações de valorização de “residual waste” desde que cumpram a hierarquia de resíduos, nos termos previstos no artigo 4º da Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos, e não haja risco de sobre capacidade.

Sobre esta matéria, têm sido desenvolvidas várias diligências pelas diferentes entidades que representam a gestão dos resíduos urbanos em alta, em Portugal, no sentido de alertar, quer as autoridades nacionais, quer os representantes nacionais com assento nas instâncias comunitárias, para a necessidade de salvaguardar que a regulamentação para a utilização dos fundos europeus não seja alterada nos termos propostos pela Comissão Europeia. A este propósito não podemos deixar de referir a declaração conjunta da iniciativa de um conjunto associações europeias representativas dos setores de tratamento de resíduos, entre as quais a Municipal Waste Europe (MWE) da qual a ESGRA faz parte – “Joint statement on the European Commission’s legislative proposal on the European Regional Development Fund (ERDF) and on the Cohesion Fund 2021-2027” – e que defendem uma abordagem integrada de gestão de resíduos, com o objetivo de alertar para a importância de incluir, a par do apoio a investimentos para incrementar a recolha seletiva, a reutilização e reciclagem, o apoio para o tratamento de resíduos que não é passível de recuperação.

De acordo com aquela posição conjunta reconhece-se a importância do Fundo de Coesão para ajudar os Estados Membros que atualmente ainda apresentam taxas de reciclagem baixas e que se encontram muito dependentes da deposição em aterro, de modo a que os apoios financeiros sejam utilizados de forma adequada e sustentável não só para implementar um sistema eficaz de recolha seletiva, mas também as infraestruturas adequadas e necessárias para o tratamento da fração residual de resíduos, em linha com a hierarquia de resíduos. Com efeito, uma exclusão total de apoios a investimentos em infraestruturas de tratamento da fração residual de resíduos traduzir-se-ia na inviabilização, para muitos Estados Membros, do cumprimento das metas que resultaram do “Pacote para a Economia Circular”.

Neste alinhamento, as entidades signatárias do documento acima referido, da qual a ESGRA faz parte e se revê na posição apresentada, subscreveram a proposta de alteração ao referido artigo 6º, apresentada pelo Eurodeputado Carlos Zorrinho, no sentido de apenas excluir o apoio a investimentos em infraestruturas para o tratamento da fração residual de resíduos que não se encontrem alinhados com a hierarquia de resíduos de acordo com o disposto no artigo 4º da Diretiva (UE) 2018/851 do Parlamento Europeu e do Conselho que alterou a Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro.

A proposta de regulamento da Comissão está em apreciação no Parlamento e no Conselho e, de acordo com informação recente, ao nível do Conselho, os Estados Membros ainda não terão tomado uma posição.

Em jeito de conclusão e de votos de que o Ano Novo seja próspero para o setor da gestão de resíduos, desejamos que as negociações em curso venham a ter um desfecho que permita ao País assegurar a manutenção de apoios para o tão necessário tratamento da ainda abundante fração residual de resíduos, para que o Setor e o País possam dispor das condições necessárias para atingir as novas e exigentes metas comunitárias.

Carla Velez, licenciada em direito, já exerceu advocacia e é atualmente Secretária-Geral da ESGRA (Associação para a Gestão de Resíduos). Já desempenhou funções de assessora do Ministro da Economia, do Secretário de Estado Adjunto e da Economia, do Ministro da Economia e da Inovação, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, Secretário de Estado da Indústria e Energia em diferentes legislaturas. Foi Subdiretora Geral do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério da Cultura, onde foi responsável pela coordenação do processo de intervenção dos organismos competentes na área da cultura relativamente aos projetos apresentados ao abrigo dos regulamentos específicos de apoio financeiro à cultura, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN). Foi Assessora Jurídica da Intervenção Operacional da Economia, do Ministério da Economia, tendo desempenhado funções em matéria de preparação de legislação no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio (QCAIII), relativa aos sistemas de incentivos apoiados pelos fundos comunitários e elaboração de pareceres nesta área.

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