
Colunista Adérito Mendes (Água - Tendências): De novo ou ainda?
A propósito de um episódio recente sobre um processo de licenciamento de utilização da água em domínio público pedido por uma união de freguesias, a que estou a dar apoio técnico pro bono, no remoto nordeste português confinante com o país vizinho, ocorre-me relatá-lo em breves parágrafos porque serve de suporte à reflexão sobre a tendência nacional do licenciamento de utilização dos recursos hídricos, competência exclusiva da administração pública estatal.
Pensava eu que as mentalidades e métodos de licenciamento teriam evoluído de acordo com a tão propalada modernização administrativa que, tal como o saber adquirido na minha formação em áreas complementares à formação académica de base enquanto técnico do Estado e como profissional independente me formatou, assentaria na premissa de que o que na lei não está proibido é permitido, a bem do desenvolvimento económico e social. Mas pelos vistos não é bem assim, pois parece que essa tendência de modernização não se está a traduzir em boas práticas de administração, como em seguida comento.
Todos esperaríamos que a função do Estado/Administração pública seria a de dar todo o apoio ao desenvolvimento económico tão necessário ao país e suprimir todos os entraves aos empreendedores e às iniciativas enquadradas em políticas públicas claras.
Neste caso concreto, do que se trata é nada mais nada menos do que uma iniciativa inserida na política de adaptação às alterações climáticas. É que numa região em acelerado processo de despovoamento e onde os efeitos das alterações climáticas se preveem severos, em termos de disponibilidade da água ao longo do ano, os não citadinos que ainda querem ficar ou que já não podem sair já se aperceberam que têm que criar locais de armazenamento de transferência de água do inverno para as restantes estações do ano.
É assim que, sem ficar à espera de dinheiros públicos, alguns agricultores tomaram a iniciativa de construir um açude numa linha de água com recursos sazonais com essa função e que para isso pediram o licenciamento, sendo o pedido encabeçado pela união de freguesia para que não restassem dúvidas do interesse público do acto. Fazem-no sem recursos a dinheiros públicos e para duas localizações alternativas, uma das quais sem qualquer restrição ambiental legalmente prevista na lei.
O fundamento para o parecer negativo é suportado pelo do ICNF que pura e simplesmente alega que, sendo a utilização água justificada para o combate a incêndios, o armazenamento de água não está previsto no Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios, sem mais! Nem se dão ao trabalho de invocar nenhuma fundamentação legal!
Mesmo que a matéria não tendo importância significativa, o facto é que, de novo ou ainda, qualquer cidadão é confrontado com uma Administração pública estatal em que convicções pessoais de técnicos, pois que não estão fundamentadas de facto e de direito, prevalecem sobre iniciativas dos cidadãos que procuram à sua escala e às suas custas pôr em marcha as políticas públicas nacionais e europeias, que se inserem no pensar global agir local.
Parece que a tendência da administração publica estatal é a da estagnação e impunidade em que a modernização administrativa pouco mais parece ser do que a substituição das velhas máquinas de escrever e calculadoras mecânicas por equipamentos informáticos e softwares.
Adérito Mendes, engenheiro civil do ramo de hidráulica, formado em 1976 pelo Instituto Superior Técnico, é pós-graduado em “Alta Direcção em Administração Pública” e especialista em “Hidráulica e Recursos Hídricos”. Foi Coordenador Nacional do Plano Nacional da Água – 1998/2002 e 2009/2011 e autor de dezenas de estudos, projectos e pareceres relacionados com recursos hídricos. Começou a carreira como técnico superior na Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, em 1977, passou pela Direcção Geral dos Recursos Naturais. Além de profissional liberal na área de estudos, projectos e obras hidráulicas, foi Director de Serviços de Planeamento do Instituto da Água-1988-2011, assessor de serviços de Comissão Directiva do POVT-QREN e assessor da presidência da Agência Portuguesa do Ambiente. Exerceu ainda as funções de docente do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa-2002-2014.