
Colunista António Sá da Costa: O que é necessário para cumprir a meta de energia renovável em 2020
No mês passado referi nesta mensagem o que necessitamos fazer para chegar a 2020 com 60% de eletricidade renovável. Basicamente é necessário que a percentagem de renováveis cresça 1.5% ao ano, o que não é fácil, além de se ter de verificar a transferência de 1% dos outros tipos de uso da energia para eletricidade, o que também é ambicioso.
Este mês analiso o que falta fazer nas outras formas de uso da energia, Transportes e Aquecimento e Arrefecimento, responsáveis atualmente por 35% e 39%, respetivamente, dos usos que os portugueses fazem da energia, segundo os mais recentes números da DGEG.
No setor dos transportes terrestres apenas 3.4% dos combustíveis usados, segundo os números de 2014 da DGEG, são de origem renovável. De acordo o que é expectável no atual quadro técnico em 2020 este valor será no máximo 4.8%, isto é a contribuição deste setor para a meta de 31% de renováveis em 2020 é de apenas 1.7% (= 4.8% x 35.5%).
No setor do Aquecimento e Arrefecimento em 2011 a percentagem de renováveis era da ordem de 35.2% e o objetivo fixado para 2020 reduz-se para 33.6%. Sim reduz-se, mesmo quando pretendemos aumentar a contribuição das renováveis neste setor verifica-se que os sucessivos governos baixam os objetivos. Assim a contribuição deste setor para a meta é de 12.6% (= 33.6% x 37.5%). Pessoalmente também tenho muitas dúvidas que este valor seja atingido, mas isso “são contas de outro rosário”.
Em vez de aproveitarmos mais os recursos que temos, por exemplo usando o Sol para aquecer as águas sanitárias ou usar biomassa (peletes e briquetes) para o aquecimento ambiente doméstico, temos vindo a diminur a sua utilização.
Importa salientar que em 2013 Portugal era um dos seis estados da UE que estava abaixo dos seus objetivos para 2020 de acordo com a avaliação intermédia da Comissão Europeia, fundamentalmente por causa dos Transportes e do Aquecimento e Arrefecimento.
E o que foi feito daqui para cá para inverter a situação? Nada.
Conclusão, e por muito que me (nos) custe, não vamos cumprir as nossas metas de 2020. Precisávamos de chegar a 31% e vamos ficar por 30%, o que na minha opinião é uma hipótese otimista, provavelmente ficaremos um pouco abaixo pelos 28 a 29%.
O único modo de se cumprirem os objetivos, sem alterar a contribuição das energias renováveis, seria a redução significativa do consumo, mas isso não acredito que aconteça pois o mesmo seria dizer que a atividade económica estagnaria ou diminuiria, pois não é espectável que a eficiência energética consiga as reduções para chegar aos números com que nos comprometemos.
Como de costume “deitámo-nos a dormir à sombra da bananeira” à espera que a contribuição eletricidade renovável aumentasse de forma espontânea. Mas nada disto aconteceu e, antes pelo contrário tem-se tentado nos últimos dois anos travar o desenvolvimento da eletricidade renovável, não tomando em tempo oportuno as devidas medidas, e simultaneamente penalizando ou suspendendo o desenvolvimento de alguns projetos necessários. Creio mesmo que nem os 60% na eletricidade iremos atingir em 2020, e o mais provável é chegarmos a 56% ou 57%, claro sempre calculados na forma normalizada estipulada pela EU.
Continuam a pensar os responsáveis pelo setor que até 31/12/2020 pode surgir um “milagre”, só que na energia “os milagres” levam 10 a 15 anos a construir, e com as indefinições usuais deste setor já nenhum milagre nos poderá salvar do incumprimento, o que se pode é minimizar o prejuízo, mas isso requer medidas corajosas, mas não vislumbro que haja vontade de as tomar.
É pena pois:
Portugal precisa da nossa energia.
António Sá da Costa é presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis e Vice-Presidente da EREF – European Renewable Energy Federation e da ESHA – European Small Hydro Association. Licenciou-se como Engenheiro Civil pelo IST- UTL (Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa) (1972) e tem PhD e Master of Science pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology (USA) em Recursos Hídricos (1979). Foi docente do IST no Departamento de Hidráulica e Recursos Hídricos de 1970 a 1998, tendo sido Professor Associado durante 14 anos; tem ainda leccionado disciplinas no âmbito de cursos de mestrado na área das energias renováveis, nomeadamente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre; Exerceu a profissão de engenheiro consultor durante mais de 30 anos, sendo de destacar a realização de centenas de estudos e projectos na área das pequenas centrais hidroeléctricas; Foi fundador do Grupo Enersis de que foi administrador de 1988 a 2008, onde foi responsável pelo desenvolvimento de projectos no sector eólico e das ondas e foi Vice-Presidente da APE – Associação Portuguesa da Energia de 2003 a 2011.O autor escreve, por opção, ao abrigo do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.