Henrique Gomes (Energia-Tendências): Alterações Climáticas: Ciência, Religião ou Prudência? (2ª Parte)
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Henrique Gomes (Energia-Tendências): Alterações Climáticas: Ciência, Religião ou Prudência? (2ª Parte)

Pela sua relevância, continuamos hoje a transcrever o artigo (ler aqui artigo anterior) do Prof. José Delgado Domingos, “Os equívocos sobre as alterações climáticas”, editado no anuário Janus 2013.

Da 1ª parte, permito-me salientar duas ideias (que transcrevo):

  • Reduzir as “alterações climáticas” a “aquecimento global” devido sobretudo às emissões de CO2 com origem em combustíveis fósseis é redutor e manipulatório… As catástrofes climáticas locais, bem como a poluição do ar, da água e do solo, não resultam das emissões de CO2 enquanto tais.
  • Ter em conta a incerteza e subjectividade dos modelos (climáticos) não facilita a mobilização da opinião pública nem é do agrado de activistas e decisores políticos, porque os obrigaria a claros juízos de valor e a opções que os responsabilizariam. Preferem por isso exaltar a objectividade e o determinismo científico (inexistentes) para legitimar como científicas o que em verdade são opções político-ideológicas. “As decisões políticas são assim transformadas em questões científicas e técnicas”.

Desta 2ª parte, “O IPCC e os seus equívocos”, saliento as seguintes afirmações:

  • Numa área científica como o clima, em que as políticas se legitimam invocando a ciência, mas onde a “ciência” está rodeada de incerteza e subjectividade, a forma expedita de ultrapassar esta limitação foi criar uma autoridade científica, acima de todas as outras, que servisse os objectivos políticos dos seus promotores.
  • Independentemente da qualidade e seriedade de muitos dos autores e revisores dos relatórios base, o facto é que o IPCC não se pode eximir às implicações de ser parte de uma organização política, cujos objectivos se exprimem desde logo pelo facto dos autores serem propostos pelos governos e de o relatório resumo “Summary for Policy Makers” ser votado, linha a linha, pelos seus representantes. Acresce que tal sumário, é votado e aprovado antes de concluído o Relatório que deveria resumir, de modo a condicioná-lo.

São afirmações lúcidas, claras e corajosas do Prof. José Delgado Domingos.

Naquela edição de 2013 do Anuário Janus há ainda um seu outro importante artigo intitulado “Alterações climáticas: o debate científico” que nos merecerá o destaque devido numa próxima oportunidade.

 

O IPCC e os seus equívocos                                                                 

Por José Delgado Domingos

                                                      

O IPCC organiza-se em grupos de trabalho (WG – Working Groups) que recrutam e nomeiam os autores principais e os autores e revisores de capítulos específicos dos relatórios. Os autores principais e de capítulos são escolhidos pelo presidente e vice-presidente de cada WG a partir de listas fornecidas pelos governos.

Dos grupos de trabalho, o grupo I, “The Physical Science Basis” é o mais prestigiado e sólido, envolvendo algumas centenas de cientistas na feitura e crítica dos seus relatórios base, produzidos todos os 5 – 6 anos. O último foi divulgado em 2007.


Independentemente da qualidade e seriedade de muitos dos autores e revisores dos relatórios base, o facto é que o IPCC não se pode eximir às implicações de ser parte de uma organização política, cujos objectivos se exprimem desde logo pelo facto dos autores serem propostos pelos governos e de o relatório resumo “Summary for Policy Makers” ser votado, linha a linha, pelos seus representantes.

Acresce que tal sumário, é votado e aprovado antes de concluído o Relatório que deveria resumir, de modo a condicioná-lo. Sucedeu também, no 2.º Relatório, que a versão divulgada não correspondeu sequer ao que fora aprovado pela comissão de redacção [3]. Tanto num como noutro caso, as alterações foram no sentido de sublinhar os aspectos alarmistas e de suprimir as incertezas para acentuar a tónica determinística das conclusões, apontadas como científicas [4]. Como seria de esperar, a esmagadora maioria dos decisores políticos, dos jornalistas ou dos activistas nunca se debruçou sobre o relatório base, de quase 1.000 páginas, que exigiria, para seu adequado entendimento, uma preparação científica que não tinham.

Limitaram-se por isso a ler a vintena de páginas do sumário para decisores políticos ou, de preferência, os comunicados de imprensa, cuidadosamente redigidos para veicular as percepções alarmistas que dão os títulos sonantes na comunicação social. Aliás, era este um dos objectivos dos “Summary”, como implicitamente reconhecido por John Houghton, principal responsável dos três primeiros quando afirma: “O mais importante foi que o sumário para decisores políticos se tornou no sumário dos decisores políticos: foi o seu documento – são eles os donos [5]

Grande parte da ressonância que o aquecimento global tem junto da opinião pública resulta da celebridade dos que acerca deles e pronunciam, desde artistas mediáticos a prémios Nobel e reconhecidas autoridades científicas (em áreas fora da Física ou do Clima). O clima é um sistema natural muito complexo, que ninguém compreende na sua totalidade, embora muitos cientistas entendam diferentes aspectos parciais. Por norma, o cientista ou especialista numa área científica do conhecimento, quando se trata de outras áreas, faz fé nas afirmações de colegas, considerados especialistas nesse domínio. Sucede que algumas dessas áreas são tão restritas e especializadas que todos se conhecem uns aos outros e mutuamente se promovem como únicos e inquestionáveis conhecedores do tema. Foi este tipo de comportamento que gerou o escândalo conhecido como climategate [6], originado com a revelação pública de manipulação de dados paleontológicos para forçar a conclusão, amplamente promovida pelo 3.º Relatório do IPCC (TAR-2001), de não ter havido qualquer aumento significativo da temperatura média global antes do início da industrialização e da utilização massiva de combustíveis fósseis. Esta conclusão era essencial para sustentar e promover a convicção de que as emissões de CO2 seriam as grandes responsáveis pelas anunciadas catástrofes climáticas.

As afirmações alarmistas a cerca de alterações climáticas globais provocadas pelas emissões de CO2 têm como único fundamento as simulações numéricas obtidas com a utilização de modelos climáticos.

Estes modelos são estruturalmente idênticos aos modelos meteorológicos utilizados na previsão do tempo, nos quais têm a sua origem. Matematicamente, são uma manifestação de caos determinístico que em termos simples se traduz no facto de as suas previsões terem uma intrínseca limitação temporal. No caso da previsão do tempo, uma previsão razoavelmente segura não ultrapassa 1-2 semanas. No caso do clima existe a mesma limitação intrínseca. Como o clima é a estatística do tempo, os modelos climáticos partem do pressuposto fundamental de que fazendo a estatística de muitas simulações do tempo, cobrindo décadas, se lhes pode atribuir uma probabilidade estatística fiável. Não existe, até hoje, nenhuma prova convincente de que assim seja mesmo partindo da hipótese adicional de que os modelos reflectem com rigor os fenómenos físicos determinantes, o que não sucede, por exemplo, com a formação e evolução das nuvens, que têm um papel crucial nas alterações climáticas.

Independentemente de considerandos de natureza fundamental e inultrapassáveis como o da previsibilidade temporal da evolução do clima, um teste empírico objectivo e convincente é, por exemplo, imaginar que estamos em 1880 e utilizar os modelos para “prever” o que se passou até 2012. Estes testes foram feitos e o que se verifica é que nenhum dos modelos utilizados pelo IPCC consegue prever os períodos conhecidos de aquecimento e arrefecimento sem fazer batota, isto é, sem ajustar subjectivamente e em cada período parâmetros fundamentais para se obterem os resultados desejados. Outro tipo de teste, é comparar as previsões que constam dos sucessivos relatórios do IPCC com os valores observados.

Esta comparação figura no SOD (Second Order Draft do 5.º Relatório do IPCC a divulgar em 2013) e permite testar as previsões com os valores observados entre 1990 e 2012 para o 1.º Relatório (FAR), desde 1995 para o 2.º (SAR), etc. A conclusão é que “previsões” do IPCC, mesmo a 10 – 20 anos de distância, foram sistematicamente alarmistas e nenhuma previu o não aquecimento global que se verificou desde 1998.

Deve referir-se que alguns autores extraem destes resultados conclusões opostas, devido ao modo como os interpretam, pois o IPCC não apresenta um valor mas sim uma gama de variações a cujo intervalo atribui uma probabilidade de verificação superior a 95%. Esta gama é obtida a partir das simulações de vários modelos (habitualmente 3) ou pelo mesmo modelo variando as condições.

Como é evidente, se os resultados forem suficientemente afastados, a gama de variação pode tornar-se suficientemente grande para nela caber, com probabilidade superior a 95%, qualquer resultado observado.

Em termos de probabilidade nenhum valor é absolutamente certo nem absolutamente impossível. A nossa conclusão utiliza o valor médio e as emissões de CO2 efectivamente verificadas. Acrescente-se que o 1.ºRelatório (FAR-1990), que serviu de base para a criação da UNFCCC, reconhecia a existência do período quente medieval e o facto de as incertezas científicas não permitirem concluir pela evidência de efeitos antropogénicos. Certamente por isso, foi a partir do 2.º Relatório que começaram a surgir as acusações de manipulação dos resultados, que se acentuaram com o 3.º (TAR-2001) e a promoção do hoje desacreditado Hockey Stick.

 O IPCC (INTERGOVERNAMENTAL PANEL FOR CLIMATE CHANGE)

 

Numa área científica como o clima, em que as políticas se legitimam invocando a ciência, mas onde a “ciência” está rodeada de incerteza e subjectividade, a forma expedita de ultrapassar esta limitação foi criar uma autoridade científica, acima de todas as outras, que servisse os objectivos políticos dos seus promotores. Assim, na Conferência do Ambiente (Estocolmo1972) foi decido criar uma rede de observação e três conhecidas personalidades (Maurice Strong, Bert Bolin, John Hougton) iniciaram as diligências conducentes à criação de um Organismo nas Nações Unidas dedicado ao estudo e monitorização do estado do clima.

Estas diligências conduziram, em1988, à criação do IPCC (Intergovernamental Panel for Climate Change) no âmbito da WMO (World Meteorological Organization) e pouco depois da UNEP (United Nations Environment Program). Uma das motivações para a criação do IPCC teria sido, também, controlar as críticas, invocando fundamentação científica, que os países em desenvolvimento faziam nos Organismos da ONU à actuação dos países desenvolvidos [7].

Com a justificação de avaliar o conhecimento científico relativamente ao Clima, o IPCC, que não faz investigação científica, visava, de facto, ser o supremo juiz do conhecimento científico nesta área. Não surpreende, por isso, o papel que aquelas personalidades tiveram na Conferencia do Rio e no próprio IPCC.

Maurice Strong foi o primeiro director executivo da UNEP, e comissário Geral da Conferencia do Rio (1992) da qual nasceu a UNFCCC, que realiza anualmente as COP (Conferência das Partes, também designadas popularmente por Conferências do Clima). Bert Bolin foi o primeiro presidente do IPCC (1988 a1997). John Houghton presidiu ao Met Officee foi o fundador, no seu âmbito, do “Hadley Centre for Climate Prediction and Research”[8]. Foi o autor principal dos primeiros três relatórios do IPCC ao qual presidiu, a seguir a Bert Bolin.


Em nome da Ciência, as políticas a seguir pelos governos deveriam depois transformar-se em acordos internacionais vinculativos à imagem do que sucedera com o acordo de Montreal quanto à protecção da camada de ozono. O protocolo de Quioto, que entrou em vigor em 2007 para vigorar provisoriamente até 2012, inseriu-se nesta perspectiva.

Como seria de esperar, dada a sua génese e direcção, o IPCC exprime fundamentalmente as perspectivas, motivações e modo de actuar dos países desenvolvidos de cultura ocidental.

Notas:


[3] Climate: The Counter Consensus, Robert M.Carter, Stacey International, 2010, p. 25. Australian delegation report, Australia. Delegation (Intergovernmental Panel on Climate Change. Working Group I. Session (5th: 1995: Madrid, Spain)), Melbourne: Bureau of Meteorology, 1995.

[4] Domingos, J. Delgado, Alterações Climáticas in Energia da Razão, (2008) Gradiva. Disponível em http://jddomingos.ist.utl.pt

[5] Sir John Houghton, Air & Climate, European Union, 2012, p.18.

[6] O Climategate e a Conferência de Copenhaga, José J. Delgado Domingos, Expresso Online, 30.11.2009. Disponível em http:// jddomingos.ist.utl.pt

[7] Skodvin, T. (2000), Structure and Agent in the Scientific Diplomacy of Climate Change: Na Empirical Study of Science-Policy Interaction in the Intergovernamental Panel of Climate Change. Dordrecht Kluwer Academic Publishers.

[8] O “Hadley Centre for Climate Prediction and Research” foi fundado em1990, e tem nos seus objectivos fundacionais prever as alterações climáticas nos próximos 100 anos, bem como atribuir as “recentes alterações” a factores específicos. A iniciativa e apoio da primeira ministra, M. Tatcher, foram decisivos.

Henrique Gomes é Licenciado em Engenharia Mecânica pelo IST-UTL e MBA pela FE-UNL. Foi administrador da GDP – Gás de Portugal e da REN – Redes Energéticas Nacionais e também SEE do XIX Governo Constitucional (até 13Mar12). Actualmente, não tem remuneração nem participações sociais em nenhuma empresa ou associação ligada à energia.

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