Colunista Ivone Rocha (Energia-Apoios Comunitários): Legal e tecnológico – O casamento!

Colunista Ivone Rocha (Energia-Apoios Comunitários): Legal e tecnológico – O casamento!

O resultado do terceiro pacote energético europeu foi a criação de um modelo assente na separação entre produção, transporte, comercialização e consumo, o chamado Independent System Operator ou Independent Transmission Operator.

Neste sistema, cabe a produção centralizada de energia em centrais de grandes dimensões, a comercialização em grande escala, onde os consumidores se limitam a receber a energia sem grande papel na produção ou na gestão da sua origem. A cadeia energética assenta em múltiplos operadores devidamente licenciados – produção, comercialização, transporte e consumo.

Acontece que, a evolução tecnológica intensificou-se nos últimos tempos e a energia não é exceção. A digitalização, a robótica, o armazenamento e as tecnologias renováveis são uma realidade. Com elas, a produção descentralizada de energia, a gestão dos consumos energéticos, as plataformas virtuais de comercialização, a produção renovável com armazenamento. Cada um, em sua casa, na sua empresa, pode produzir a sua energia e vender o excedente. Tecnologicamente os consumidores podem ficar ligados entre si, em rede, entregando a gestão da sua produção a plataformas digitalizadas habilitadas para identificar a produção e distribuir de acordo com as necessidades. Será que legalmente o que se tornou desejável é possível? O que temos que mudar para tutelarmos esta nova realidade?

Tomemos como exemplo três projetos pivot. Dois na Europa, concretamente na Alemanha, o Tal.Markt que coloca em contacto os habitantes de uma região com os produtores locais, estabelecendo uma relação de compra e venda semelhante à Amazon; na vizinha Espanha que tendo a mesma base tecnológica faz a gestão dos fluxos energéticos, de forma a que os produtores comercializam a sua energia garantindo a sua origem renovável e a sua comercialização na plataforma. Um nos EUA, concretamente em Nova York, onde um grupo de prosumers se encontram ligados em plataforma – Blockchain – formando uma verdadeira comunidade energética onde o consumo e a produção de energia são partilhados.

Este é o futuro. Se olharmos para o novo pacote energético europeu, denominado Pacote de Inverno – Energia Limpa para Todos, encontramos referencias claras à promoção da transição em curso decorrente da descentralização da produção, incorporando a figura do prosumer. Este pacote identifica e estabelece uma série de medidas legislativas que devem ser tomadas, tais como redesenhar o  mercado elétrico europeu, introduzir um corpo regulatório compatível com as novas tecnologias, novas diretivas para as renováveis, para a eficiência energética e para o desempenho energético nos edifícios.

A União Europeia começa a falar do principio da inovação como principio a incorporar nas novas regras, num claro reconhecimento da necessidade de o incorporar e disseminar por todo o corpo legal a criar.

A plataforma Blockchain permite que cada produtor venda a sua energia ao vizinho, num peer-to-peer network, através da subscrição de smart-Contracts. Mas a energia é um setor fortemente regulado cuja transmissão implica o uso de uma importante infraestrutura – a rede.

As alterações legislativas parecem necessárias e importantes.

Como todas as tecnologias e setores, a evolução tecnológica comporta oportunidades, onde a eliminação de custos de transação é apenas uma delas, e riscos, nomeadamente decorrentes da vulnerabilidade dos consumidores e a resolução de possíveis conflitos não é clara.

O legislador não poderá ser um bloqueador, terá que ser um facilitador.

O legal e o tecnológico têm que cooperar. Este é o casamento que se impõe!

Ivone Rocha é Sócia da Telles Advogados. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.

Topo
Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.