Ivone Rocha (Energia-Apoios Comunitários): Mibel – A Compatibilização que se impõe!
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Ivone Rocha (Energia-Apoios Comunitários): Mibel – A Compatibilização que se impõe!

Nos últimos tempos temos sido inundados com Despachos Normativos, Pareceres da Procuradoria, Notícias nos jornais sobre a remuneração das renováveis num permanente “julgamento” do passado e em total silêncio sobre o futuro.

Nada mais errado!

Primeiro porque não podemos opinar sobre o passado tendo por base os pressupostos do presente – a fórmula legal de remuneração das renováveis, ainda que alvo de alterações, remonta a 1988, altura em que a tecnologia não tinha os custos de hoje, a produção renovável era a exceção e não a regra. Desde então, para lá dos ciclos políticos, Portugal soube criar estabilidade e desenvolveu um cluster que ainda hoje gera emprego, contribui para a segurança energética do país, contribui para a redução das emissões de CO2, reduz a importação de energia fóssil.

Segundo porque “julgar” o passado não resolve o futuro e todos nós precisamos de Energia. Portugal precisa de Energia e não há investimento sem regras e estabilidade.

A aposta na mobilidade elétrica, as metas impostas pela União Europeia, o cumprimento do Acordo de Paris, obrigam a um substancial e rápido aumento da produção de eletricidade renovável em Portugal. A elaboração dos planos nacionais sobre Energia & Clima é uma obrigação assumida pelo Estado Português.

A pergunta que se impõe hoje, não pode ser como anular o passado, mas sim, como desenvolver novos projetos de produção de eletricidade renovável em Portugal.

Como desenvolver a nossa rede de distribuição de eletricidade? Qual o peso que queremos dar à descentralização da produção energética? Como vamos adaptar o mercado energético, construído para remunerar energia de origem fóssil, à produção de eletricidade renovável?

Sendo certo que, a resposta a todas estas questões não pode ser isolada, pelo contrário, tem que ser contextualizada na Politica Energética da União Europeia, nos apoios e financiamentos comunitários e compatibilizada com o mercado de que fazemos parte com a vizinha Espanha, o MIBEL.

A nossa rede de distribuição de energia para o resto da União Europeia passa por Espanha – temos que partilhar infraestruturas; a nossa energia é vendida em Espanha e vice-versa, temos que compatibilizar remunerações. Se a tudo isto adicionarmos o facto de partilharmos uma rede hidrográfica, é imperioso concluir que é um erro construir um sistema energético de costas voltadas para Espanha. Colhendo as lições dos erros espanhóis e melhorando a eficácia das medidas, olhar para Espanha é inevitável.

Assim, no que às ligações diz respeito, há que fazer a voz única dentro da União Europeia e exigir o aumento da capacidade de ligação entre a Península e o Resto da Europa e planear a rede hidrográfica.

No que à produção de eletricidade renovável diz respeito, olhamos para Espanha e vê mos um país que tentou resolver o problema tarifário por decreto, mexendo no passado e, para além de não ter resolvido o problema do défice, vai somando condenações e processos arbitrais instaurados ao abrigo do Tratado da Carta da Energia, representando o primeiro de 30, uma condenação ao pagamento de uma indeminização de 128 Milhões de euros. Ao longo de mais de 5 anos não conseguiu captar um único investimento em energia renovável. Espanha tirou a lição e criou um novo sistema de remuneração para as renováveis, tendo lançado leilões para atribuição de potência para produção de eletricidade renovável com lógicas de mercado.

Basicamente o sistema assenta na falência do conceito de mercado SPOT para a energia – mercado criado para remunerar a energia de fonte fóssil – e incorporação da produção de eletricidade renovável no quadro de um novo modelo.

Para o efeito, Espanha considerou o seguinte:

Uma central de produção de energia fóssil tem um custo de investimento inicial mais baixo mas tem que comprar continuamente a matéria prima. Por isso, a amortização do seu investimento é composta de duas componentes: uma fixa – amortização do investimento inicial e que vai ser constante e que acrescerá ao valor da matéria prima, e outra variável que flutuará acompanhando o valor da matéria prima, sendo esta componente a responsável pela oscilação da remuneração, acompanhando o mercado da fonte fóssil.

Uma central de produção de energia renovável tem um custo de investimento elevado mas não tem custo de matéria prima – o sol e o vento são gratuitos. Por isso, a amortização do seu investimento é composta apenas de uma componente fixa – amortização do investimento inicial.

Em ambas se remunera investimento, seja ele inicial, seja contínuo.

A esta diferença há que acrescentar, para as renováveis a sua externalidade positiva, para as de origem fóssil a sua externalidade negativa, ou seja, por um lado há que remunerar, por outro lado há que punir.

Não se pode remunerar o que é diferente de forma igual!

Com base nestas considerações a Espanha, consultou o mercado de produção renovável, através da abertura de leilões e, adjudicou ao melhor preço de mercado a potência para produção de eletricidade renovável, pelo período de 25 anos. Mantém o mercado de remuneração dos certificados de origem ativo e com isso garante a remuneração da adicionalidade.

É importante que Portugal olhe para o futuro e defina como e onde vai cumprir as metas de produção renovável que se obrigou,

A compatibilização com o mercado MIBEL parece evidente.

Ivone Rocha é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.

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