
Colunista Ivone Rocha (Energia): Responsabilidade Eleitoral Energética
Parece consensual a impossibilidade de Portugal conseguir cumprir as suas metas energéticas para 2020. A verdade é que, nos últimos anos, o tema da energia tem estado debaixo de fogo, num debate estéril e demagógico, com sucessivas ameaças de alterações retroativas, com um inquérito parlamentar que, sob o ponto de vista do direito da energia, salvo melhor opinião, muito pouco rigoroso se revelou.
Em final de mandato, mas marcando uma nova fase, a transição energética voltou a protagonizar os desafios legislativos e regulatórios, com vista, agora, às metas de 2030.
Nos últimos tempos, vimos pulicado o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, o Plano para a Energia e Clima, um novo regime legal para o exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade – Decreto Lei nº 76/2019, de 3 de junho – acompanhado do lançamento do primeiro leilão de atribuição de capacidade de rede, para a produção de energia fotovoltaica.
Neste momento, estão ainda em discussão pública diplomas importantes como o novo regime para a produção descentralizada de energia, com a possibilidade de partilha de unidades de produção – as chamadas comunidades energéticas. Ao que acresce, a discussão pública do procedimento de atribuição das Garantias de Origem (certificados que atestam a origem renovável da energia e que serão transacionados com a venda da energia ou separados desta, de forma a garantir, por um lado a remuneração da externalidade positiva da produção energética renovável e, por outro lado, o cumprimento das metas de consumo renovável).
Ainda é cedo para avaliar o impacto de todas estas alterações e, acima de tudo, dos resultados do recente procedimento de leilão, com tramitação ainda em curso.
Mas não é cedo para perceber a vontade de investir em Portugal e o facto de o mundo energético estar a olhar para Portugal.
Qual o denominador comum a todos estes investidores? Desejo de estabilidade legal e regulatória.
Não há sistemas perfeitos nem caminhos únicos, por isso, os diplomas aprovados representam sempre uma possível solução e, aos diplomas em discussão pública deseja-se que o debate seja produtivo e gere melhorias (a produção descentralizada, será tratada em artigo autónomo).
Por outro lado, todas estas medidas serão sempre insuficientes se não forem acompanhadas do bom funcionamento das entidades que se cruzam nos procedimentos de licenciamento – APA, ICNF, Municípios, CCDR, DRAG – e na flexibilização de todo o sistema legislativo. Quantas vezes é mais fácil licenciar uma unidade de produção de plástico do que uma central para produção de energia renovável. A este propósito refere-se o sinal positivo, mas não suficiente, dos prazos estabelecidos, na nova legislação, no âmbito de atribuição de licença de produção, para a emissão de alguns pareceres.
Tudo isto prova que o debate político não é, nem deve ser estanque, pelo contrário, deve ser produtivo. Um debate sério e não demagógico, na certeza de que os princípios da estabilidade e da não retroatividade, importantíssimos no setor energético, com reconhecimento internacional, tendo em conta, precisamente, o seu impacto na captação de investimento estrangeiro, não podem ser postos em causa.
Os ciclos energéticos têm que está para lá dos ciclos eleitorais. Não se pode alterar legislação de quatro em quatro anos em áreas onde o investimento é de capital intensivo. O Tratado da Carta da Energia, no seu artigo 10º, consigna como essencial ao tratamento justo e equitativo a garantia de condições estáveis e transparentes de investimento.
Em ano de eleições e em vésperas de campanha eleitoral exige-se responsabilidade política, sem eleitoralismos e sem populismos, há que demonstrar capacidade de criar condições de estabilidade. Na certeza de que, nenhuma árvore pode dar fruto, se estivermos permanentemente a arrancar a raiz, por muito boa que seja a qualidade da raiz.
As metas de 2030, não podem falhar.
Ivone Rocha é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1989) e mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2008). Possuiu uma Pós-graduação em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na variante de Direito (1992), uma Pós-graduação em Ciências Jurídicas, na vertente Direito Público, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2000) e ainda uma Pós-Graduação em Contencioso Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Portuguesa – Centro Regional do Porto (2005). Está inscrita na Ordem dos Advogados como Advogada (1991). É membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável e co-autora do livro, recentemente publicado, “Climate Chance! Uma reflexão jurídico-económica do mercado de carbono no combate às alterações climáticas”. Tem vários artigos publicados, sendo regularmente convidada para participar como oradora em conferências da especialidade.