João Peças Lopes (Energia): A importância dos Sistemas de Armazenamento na Transição Energética

João Peças Lopes (Energia): A importância dos Sistemas de Armazenamento na Transição Energética

A transição energética que se pretende implementar vai exigir a utilização crescente de sistemas de armazenamento, numa lógica multi-nível e multi-tecnologia, de forma a poder armazenar excessos de produção de eletricidade de origem renovável que tenderão a ocorrer em períodos noturnos de inverno, associados à produção de origem eólica, e nos períodos entre as 12 e as 15h, associados à produção solar fotovoltaica, em particular no Verão.

Claro que a melhor forma de dar utilização a estes excessos de produção será promover o deslocamento de consumos, como o carregamento das baterias de veículos elétricos, o aquecimento ou arrefecimento ambiente em edifícios, o aquecimento de águas sanitárias e até consumos de alguns processos industrias.  Contudo, tal não será suficiente e ocorrerão, para os níveis elevados de produção de origem renovável que se projetam por toda a Europa e em particular em Portugal), períodos com significativos excessos de capacidade de produção efetiva de eletricidade.

Haverá então que instalar sistemas de armazenamento eletroquímicos estacionários, a que corresponderam as baterias de acumuladores (explorando mais do que uma tecnologia), que ficaram ligados sobre as redes de distribuição desde a BT à AT. Para isso será necessário criar regulamentação e regulação que permitam desenvolver estas atividades. Estes sistemas poderão também aparecer ligados sobre as redes de MAT associados à prestação de serviços de sistema de regulação de frequência para reserva primárias e reservas secundárias rápidas. Contudo para o armazenamento diário, semanal ou até sazonal será necessário recorrer às centrais hidroelétricas reversíveis e inclusivamente à produção de Hidrogénio, como um novo vetor energético. No caso do Hidrogénio será interessante explorar a produção solar fotovoltaica, que é produzida em corrente contínua, e assim alimentar diretamente eletrolisadores que produzirão Hidrogénio para fins múltiplos. De entre estes fins podemos referir a alimentação da mobilidade elétrica para grandes camiões, a queima direta em alguns processos industriais que necessitem de calor e a metanização com posterior mistura com gás natural, permitindo que quando for necessário recorrer às centrais de ciclo combinado estas queimem gás natural “verde” em resultado do processo de mistura do Hidrogénio com o gás natural.

A utilização do Hidrogénio para produção de eletricidade para injetar na rede elétrica, utilizando células de combustível, não parece ser por enquanto uma opção economicamente interessante, pois que o rendimento global deste processo será inferior a 40%, e logo esta não será uma forma eficiente lidar com o problema.

Fica, portanto, para o grande armazenamento de eletricidade a utilização das centrais hidroelétricas reversíveis. Contudo, a sua remuneração com base num princípio da arbitragem, tirando partido da diferença de preços do mercado entre os períodos de menor consumo e os períodos de maior consumo deixará de ser interessante por dois tipos de razões: 1) face à utilização crescente desta solução, a diferença de preços entre estes períodos tenderá a esbater-se deixando de ser economicamente interessante esta arbitragem, e 2) os mercados marginalistas tenderam a extinguir-se face à progressiva não utilização da produção termoelétrica e à utilização crescente de tecnologias que apresentam custos marginais nulos. Outros tipos de mercados terão então que ser pensados para remunerar todos estes tipos de produção, e em particular a energia armazenada.

Os próximos 10 anos serão assim um período fértil para novas soluções que suportem toda a transição energética, podendo-se considerar dois grandes períodos: 1) Enquanto ainda estiverem ativas as centrais de ciclo combinado, mesmo num cenário de progressiva redução da sua utilização, e 2) um outro período em que estas centrais de ciclo combinado apenas estão operacionais para garantir a segurança de abastecimento, não sendo praticamente utilizadas e onde as fontes de energia renovável dominarão o mercado (certamente com um modelo completamente diferente) e a produção de total eletricidade será tendencialmente de origem renovável.

Todos estes desafios e problemas, necessitam de uma reflexão cuidada e alargada que iremos conduzir nos próximos 1 a 2 anos, considerando os impactos técnicos e regulatórios que esta mudança implica. O Sistema Científico e Tecnológico já está a trabalhar estes temas e haverá resultados interessantes brevemente.

João Peças Lopes é diretor associado do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.

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