Colunista Paulo Praça (Resíduos-Tendências): A anunciada revisão do PERSU 2020

Colunista Paulo Praça (Resíduos-Tendências): A anunciada revisão do PERSU 2020

Encontram-se finalmente em curso os trabalhos relativos à anunciada revisitação do PERSU.

Anunciada e necessária, a revisão do PERSU 2020 deve constituir uma oportunidade fundamental para serem corrigidos os erros identificados na metodologia utilizada que conduziu à fixação de metas não apenas desajustadas mas irrealizáveis.

Com efeito, na análise que fizemos do modelo do PERSU 2020 constatámos existirem várias limitações e incongruências, como o facto de as metas implicarem taxas de esforço distintas para SGRU de características semelhantes e não refletirem as metas de reciclagem atualmente aplicáveis às Entidades Gestoras de Resíduos de Embalagens, consequentemente, não refletindo o potencial de embalagens colocadas no mercado - cuja determinação apresenta debilidades e falta de transparência no modelo de colocação de embalagens no mercado, que importa igualmente estudar e corrigir.

Com efeito, para além das metas fixadas no PERSU, os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) estão igualmente sujeitos ao cumprimento das metas estabelecidas no âmbito do SIGRE, fixadas no Despacho n.º 7111/2015, sendo que o PERSU 2020 fixou uma meta nacional de reciclagem de resíduos de embalagens de 70% (em função do total de embalagens colocadas no mercado, urbanas e não urbanas), tendo a meta de reciclagem de resíduos de embalagens das Entidades Gestoras do SIGRE sido fixada em 55% do total de embalagens colocadas no mercado, ou seja, menos 15% do valor preconizado no PERSU 2020. É fundamental que no âmbito do processo de revisão em curso se corrija esta incongruência que tem um efeito disruptivo no funcionamento do SIGRE, levando a que as entidades envolvidas funcionem com níveis de empenho e velocidades diferentes, o que, naturalmente, terá repercussões no cumprimento das metas por parte dos SGRU. A este propósito, não podemos deixar de referir que Portugal é dos poucos países que fez recair o cumprimento das metas nacionais nos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos.

Neste sentido, a revisão do PERSU 2020 é absolutamente fundamental de modo a corrigir as limitações detetadas, bem como pelo facto de ter subjacente uma abordagem limitada a um número manifestamente insuficiente de variáveis e unidades de análise e de não refletir o maior potencial dos SGRU localizados em regiões mais urbanizadas, por contraponto aos SGRU localizados em regiões rurais, de populações mais dispersas. Os próprios fatores que foram utilizados no estabelecimento da metodologia subjacente à fixação das metas do PERSU 2020 não explicam as diferenças de desempenho dos SGRU, tendo os referenciais usados sido fixados a partir de um número limitado de SGRU, para além da sua complexidade, que não permite a perceção do ratio das metas.

 

Deste modo, importa, por um lado, melhorar a metodologia de fixação das metas, avaliar o nível de cumprimento dos objetivos e identificar os constrangimentos ao seu cumprimento, tendo em atenção o considerável atraso nos investimentos devido ao bloqueio do POSEUR - cujo impacto não é, de todo, pouco relevante – com vista a definir uma estratégia a uma escala nacional que permita a adoção de soluções diversificadas mas complementares que permitam a otimização de sinergias tendo em conta a realidade do país, com níveis de potencial e desenvolvimento discrepantes, e que importa considerar para a adoção de solução distintas, acompanhadas do necessário desenvolvimento de políticas públicas de investimento adequadas. Para este efeito é fundamental uma distribuição equitativa do esforço dos SGRU, ajustada não só à sua realidade como às características da envolvente regional e populacional.

Assim, ao nível das políticas públicas de investimento é preciso ter em conta a necessidade de reforçar as atividades de recolha seletiva multimaterial, a valorização orgânica dos RUB e a recuperação de materiais recicláveis do fluxo indiferenciado, considerando o investimento já efetuado e as infraestruturas atuais, de modo a permitir a otimização das soluções tecnológicas existentes e a sua complementaridade com outras opções tecnológicas que se revelem mais adequadas e eficientes; a partilha de infraestruturas, de modo a promover economias de escala, devendo ter-se já em linha de conta o aumento considerável das metas na sequência da adoção do novo quadro legal para o setor dos resíduos. A fração ‘resto’ e a elevada percentagem de deposição em aterro apresentam níveis preocupantes e as atuais soluções não se têm revelado eficazes. Também o nível de recuperação de material para CDR e a própria qualidade deste material são igualmente motivos de preocupação, a par da dificuldade de escoamento do composto.

O próprio Relatório de Trabalho do GAG sobre a Revisão do PERSU 2020 aponta de uma forma clara tanto as dificuldades como as soluções a implementar de modo a alcançar os objetivos subjacentes ao PERSU, instrumento de referência para o setor.

Assim, defendemos que esta revisão deve constituir uma oportunidade séria e realista para se definir uma clara estratégia de atuação nacional, tendo em conta as diversidades e especificidades regionais do país em matéria de comunicação, informação e sensibilização da população; como também no reforço das medidas de prevenção de resíduos. Devem ser canalizados todos os esforços na adoção de medidas e investimento para o reforço da recolha seletiva. É necessário, ainda, resolver vários problemas, como o da valorização da fração orgânica dos resíduos, permitindo a criação de soluções para o escoamento do composto, designadamente o composto produzido nas unidades de TMB, nomeadamente, através da articulação com as entidades com competências na área da agricultura e das florestas, de modo a aplicar uma política ambiental concertada com aqueles setores, promovendo o enriquecimento dos solos e a reflorestação, bem como definir e adotar uma política de valorização energética de resíduos, tendo em conta a necessidade de gestão da fração ‘resto’, desviando-a da deposição em aterro, cuja capacidade, em poucos anos, atingirá o seu limite.

Finalmente, não menos relevante, até tendo em conta o seu impacto no lixo marinho, é urgente adotar medidas sobre os plásticos que não são absorvidos pelo mercado por falta de qualidade e reciclabilidade, o que aliás será inevitável, no âmbito dos trabalhos em curso a nível comunitário sobre a Estratégia para os Plásticos, em discussão na UE.

São muitos os desejos para o Novo Ano: a bem do desenvolvimento do setor, do país e de um modelo de desenvolvimento económico sustentável e circular, que passem rapidamente das aspirações à ação e realidade!

Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Possui o título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação de Empresas Gestoras de Sistemas de Resíduos. É docente convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente, e ocupa ainda o cargo de investigador do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais (NEDAL), subunidade orgânica da Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM). Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional. Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e participante. É também autor de trabalhos publicados.

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