Colunista Paulo Praça (Resíduos-Tendências): As Vicissitudes do SIGRE

Colunista Paulo Praça (Resíduos-Tendências): As Vicissitudes do SIGRE

O ano de 2020 inicia-se, em linha com o ano de 2019, num contexto agitado em torno do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE).

Quando Portugal deve estar concentrado no cumprimento das metas europeias e, muito em particular, no aumento da recolha seletiva para o qual os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) e os cidadãos têm de efetuar um enorme esforço, deparamo-nos com um SIGRE estrangulado!

Diversos são os problemas que aqui apenas podemos aflorar, nomeadamente os causados pelo não pagamento dos Valores de Contrapartida (VC) sobre o material que, segundo as Entidades Gestoras (EG) (1), não se encontra abrangido pelas suas licenças. Ora, este entendimento das EG leva a uma situação insustentável com repercussões financeiras e operacionais extremamente graves e carece de atuação e adoção de medidas com caráter urgente, atendendo a que ameaça comprometer a sustentabilidade do funcionamento de todo o sistema integrado de gestão daquele fluxo de resíduos.

Outra vicissitude surgiu recentemente quando, em vésperas das festas natalícias, as EG vieram comunicar aos SGRU que, no âmbito da monitorização de qualidade dos materiais de resíduos de embalagens do SIGRE, se tem verificado a presença de “sacos de lixo” (artigo não-embalagem) nos lotes de filme plástico da recolha seletiva, atendendo que alguns consumidores passaram a utilizá-los para a separação dos resíduos, na sequência da medida adotada pelo Estado sobre os “sacos de caixa”. Assim, de acordo com a comunicação transmitida pelas EG, atendendo a que a composição dos “sacos de lixo” é semelhante à dos resíduos de embalagem de filme plástico (mistura de PEAD e PEBD), que não inviabiliza a sua reciclagem, as EG estão dispostas a reconhecer esta situação como um caso de exceção, pelo carácter comportamental associado ao consumidor final. No entanto, por se tratar de um artigo não-embalagem, a fração dos “sacos de lixo” será remunerada pelo seu Valor de Retoma, que tanto pode ser positivo (valor a faturar pelo SGRU) como negativo (valor a faturar pelas Entidades Gestoras).

Com efeito, a Reforma da Fiscalidade Verde, aplicada aos sacos de caixa em plástico, veio alterar a composição dos resíduos recolhidos seletivamente, tendo-se traduzido no aumento dos chamados “sacos de lixo” (os sacos adquiridos para o acondicionamento de resíduos) na categoria do Filme Plástico entregue para retoma. Apesar de se tratar de sacos de filme de polietileno, os mesmos não são considerados embalagens, uma vez que são colocados no mercado como produto, e por conseguinte, não estão sujeitos a pagamento do Ecovalor. Esta situação, não sendo nova, tem vindo a tornar-se naturalmente mais frequente e com maior peso no sistema e deve ser objeto de atenção e do devido tratamento legislativo.

No que respeita a esta questão concreta, continuamos a defender, tal como já o fizemos no passado, a necessidade de proceder à sua clarificação através de uma alteração legislativa que inclua os denominados “sacos do lixo” no âmbito do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, que estabelece o regime jurídico aplicável à gestão dos fluxos específicos de embalagens e resíduos de embalagens. De referir ainda que, tendo esta matéria sido suscitada no passado, no âmbito do processo de revisão do SIGRE a mesma não teve acolhimento, o que conduziu à atual situação. Sucede que se trata de uma questão para a qual não se nos oferece outro tipo de solução que não seja a integração dos “sacos do lixo” no âmbito do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, que regula a gestão do fluxo de resíduos de embalagem, passando o referido Decreto-Lei, na definição de «embalagens de serviço», a incluir “os produtos, designadamente sacos de plástico colocados no mercado para venda ao público e que se destinam exclusivamente a acondicionar outros produtos ou resíduos”.

Face ao exposto, o Setor reitera a necessidade de serem adotadas medidas urgentes com vista à resolução destas questões, tendo em conta a gravidade das consequências de posições que desvirtuam o SIGRE bem como os princípios que o regulam, impossibilitando o cumprimento das metas e comprometendo o esforço de reciclagem e separação de materiais junto da população, e a sustentabilidade financeira do Setor.

Ano Novo, Luta Nova. Um bom ano para todos, em especial para o setor dos resíduos urbanos.

(1). Com exceção da Sociedade Ponto Verde que, até à data, e de acordo com o nosso conhecimento não recusou o pagamento dos VC.


Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da empresa intermunicipal Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos. Professor-Adjunto Convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente. Investigador do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais (NEDAL), subunidade orgânica da Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM). Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional. Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.

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