João Peças Lopes: Mobilidade Elétrica: é chegado o momento para os modos de operação V2G e V4G?

João Peças Lopes: Mobilidade Elétrica: é chegado o momento para os modos de operação V2G e V4G?

O crescimento da mobilidade elétrica veio exigir das redes elétricas de distribuição um maior esforço para permitir o carregamento das baterias dos veículos elétricos. Este novo consumidor pode carregar as baterias de forma lenta em períodos de 4 a 6 horas, ou de forma rápida, em períodos entre 15 e 30 minutos, envolvendo potências que variam entre os 50 kW e os 350 kW para o caso dos carregadores ultrarrápidos. Em qualquer das situações a presença deste novo tipo consumidor veio alterar os padrões de consumo nas redes de distribuição, podendo provocar situações de sobrecarga nos ramos e quedas de tensão excessivas, comprometendo a qualidade da onda e afetando a generalidade dos restantes consumidores. Face a este cenário têm vindo a ser desenvolvidas várias soluções de carregamento controlado das baterias – o smart charging – envolvendo a gestão dos carregadores dos veículos elétricos nas áreas de carregamento de parques de estacionamento, em garagens de condomínios, e até em instalações individuais, gerindo o carregamento das baterias em conjunto com os consumos de eletricidade da instalação de utilização.

"Os operadores das redes de distribuição têm assim que passar a monitorizar as suas redes para avaliar da necessidade de ter que efetuar reforços de rede para as situações em que não têm controlo sobre a simultaneidade de situações de carregamento das baterias, nomeadamente em áreas residenciais das periferias das grandes cidades".

Os operadores das redes de distribuição têm assim que passar a monitorizar as suas redes para avaliar da necessidade de ter que efetuar reforços de rede para as situações em que não têm controlo sobre a simultaneidade de situações de carregamento das baterias, nomeadamente em áreas residenciais das periferias das grandes cidades. Com efeito, mesmo que a nível de edifícios individuais se promova o carregamento controlado das baterias, não violando os limites térmicos dos ramais, a existência de vários edifícios dependentes do mesmo alimentador traduz-se numa sobrecarga dos ramos de montante por alteração das condições de projeto onde a utilização dos usuais fatores de simultaneidade deixa de ser válida. Nestes casos, torna-se necessário o reforço da rede de distribuição em BT, podendo o mesmo vir a ser a necessário mesmo nas redes de MT se existirem na mesma área geográfica vários sistemas de carregamento rápido e ultrarrápido em conjunto com carregamento lento controlado.

Até hoje o modo de operação dos conversores eletrónicos que envolve a injeção de potência na rede em função da disponibilidade da energia armazenada e da vontade dos condutores para o fazerem – modo V2G (Vehicle to Grid) - tem tido pouca adesão por parte dos fabricantes de veículos elétricos. Apenas a Nissan e a Tesla disponibilizam sistemas comerciais de carregamento com capacidade para funcionar neste modo. Também as aplicações de gestão coletiva de carregamento das baterias dos veículos elétricos apenas exploram a capacidade do carregamento controlado das baterias não apresentado, por enquanto, funcionalidades para gerir também as situações de operação em modo V2G. Para além da capacidade de injeção de potência ativa na rede, é possível conceber que os conversores eletrónicos dos carregadores das baterias possam fornecer potência reativa capacitiva e ou absorver potência reativa indutiva apoiando o controlo de tensão em algumas redes de distribuição, podendo ainda oferecer capacidade para funcionar como filtros ativos para ajudar a eliminar a distorção harmónica nas redes de distribuição em resultado da cada vez maior quantidade de conversores eletrónicos associados a diferentes dispositivos elétricos que se ligam a estas redes. No limite pode-se inclusivamente combinar o modo V2G com o modo V4G.

Face ao crescimento da mobilidade elétrica e ao crescimento da produção distribuída, ligadas diretamente sobre as redes de distribuição, é chegado pois o momento de os operadores de rede, e naturalmente os os reguladores, valorizarem os serviços de sistema de peak shaving e de controlo de tensão que os conversores dos carregadores dos veículos elétricos podem oferecer quando em modo V2G e modo V4G. Para este efeito é importante lançar pilotos para explorar estas funcionalidades, podendo no limite avançar-se inclusivamente para a possibilidade de explorar os conversores em modo V2G para apoio ao controlo de frequência em redes isoladas, situação que atualmente a GALP testa num piloto na ilha de São Miguel. Esta gestão terá que ser integrada com a gestão das redes elétricas em modo “smart grid”, explorando capacidade de sensorização avançada, a localizar em alguns pontos das redes, em conjunto com a informação proveniente da infraestrutura de AMI – Advanced Meetering Infrastructure / Smart Meetering. Estas soluções deverão ser ativadas ao nível de ADMS (Advanced Distribution Management System) em funcionalidades de controlo de tensão e de fluxos de potência.

Naturalmente que a disponibilização das funcionalidades de V2G e V4G deve ser objeto de um esforço de normalização para poder haver uma adesão de cada vez mais fabricantes de veículos elétricos. Podemos, pois, dizer que estamos na alvorada de uma verdadeira mudança dos paradigmas de operação das redes de distribuição ao explorar de forma ativa as capacidades de injeção de potência ativa e reativa dos conversores dos veículos elétricos, permitindo assim adiar investimentos no reforço das redes, melhorar a qualidade do serviço e a eficiência de exploração destas redes.

João Peças Lopes é diretor associado do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.

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