João Peças Lopes: O Desenvolvimento dos Mercados de Eletricidade no MIBEL para Enfrentar os Desafios da Transição Energética

João Peças Lopes: O Desenvolvimento dos Mercados de Eletricidade no MIBEL para Enfrentar os Desafios da Transição Energética

O sistema elétrico Ibérico irá enfrentar enormes desafios nos próximos anos. Um destes desafios decorre da alteração da composição do portfolio de geração. Tal resultará da desclassificação de todas a centrais a carvão até 2030 e do encerramento de todas as centrais nucleares em Espanha antes de 2035, a que acresce o progressivo aumento do consumo de eletricidade em resultado da eletrificação da economia. O portfolio de geração da Ibéria apenas contará com as centrais a gás natural de ciclo combinado, como geração de origem fóssil, passando toda a restante geração a ser de origem renovável. Em Portugal, para 2030, prevê-se que a produção de origem solar fotovoltaica possa atingir mais de 8 GW, a que acrescerá um aumento da capacidade instalada eólica, que deverá passar de cerca de 5 GW para mais de 8 GW. A estes valores acrescem cerca de 9 GW de capacidade instalada em produção hidroelétrica e cerca de 700 MW de produção a partir de biomassa. Em Espanha está prevista a instalação de 57 GW de nova capacidade renovável, sendo que 28,5 GW correspondem à tecnologia solar fotovoltaica e 22,3 GW de energia eólica, atingindo em 2030 um total de 113 GW de potência instalada em fontes de energia renovável que incluem a produção hidroelétrica, a geração a partir de biomassa e a geração utilizando tecnologia de solar térmico concentrado.

Dada a variabilidade dos recursos energéticos primários - sol e vento, será necessário dispor de uma capacidade de armazenamento de eletricidade significativa, recorrendo a centrais hidroelétricas reversíveis e sistemas de armazenamento eletroquímico com potência instalada e capacidade significativos. Também a procura terá que se adaptar às variações da oferta.

Não é necessário dispor de uma bola de cristal para perceber que tudo isto implicará a necessidade reformular profundamente o mercado Ibérico de eletricidade – MIBEL. Tendo em conta a forma como o portfolio de geração irá evoluir, considerando as características das tecnologias a utilizar futuramente (onde os conversores eletrónicos terão um peso significativo) e a previsível evolução tecnológica relativamente à capacidade de gestão da procura, é possível fazer uma previsão fundamentada do que irá acontecer.

Os mercados marginalistas de curto prazo (diários) evoluirão de forma a que a energia neles transacionada venha a diminuir progressivamente, esperando-se que os mercados de futuros venham a ter uma importância cada vez maior. 


Os mercados marginalistas de curto prazo (diários) evoluirão de forma a que a energia neles transacionada venha a diminuir progressivamente, esperando-se que os mercados de futuros venham a ter uma importância cada vez maior. A contratualização bilateral crescerá, nomeadamente no caso de contratos entre instalações de produção renovável e comercializadores e grandes consumidores. Simultaneamente crescerá a necessidade de recorrer a mercados de balanço, nomeadamente a mercados de flexibilidade e a mercados de serviços de sistema de reserva, que irão necessariamente incluir a reserva primária (que até hoje não tem sido remunerada na Ibéria), passando a incluir também a reserva secundária rápida (como já ocorre na Califórnia para a gestão dos serviços disponibilizados por baterias), o que implicará alterações nas funcionalidades do Controlo Automático de Geração (AGC) dos centros de despacho.

A redução da inércia global do sistema electroprodutor da Península Ibérica irá exigir o recurso a mercados de inércia e ou mercados de reserva primária rápida, sem os quais poderão ocorrer problemas de estabilidade de frequência e a estabilidade transitória. Para tal será necessário recorrer a compensadores síncronos (que podem ser implementados explorando centrais termoelétricas a desclassificar e recorrendo ainda aos grupos das centrais hidroelétricas quando não estiverem a turbinar). Sobre este tema haverá ainda que avaliar do real valor da inércia sintética que pode vir a ser fornecida pelos conversores eletrónicos de baterias de acumuladores e geradores eólicos.

Por forma a garantir a segurança de abastecimento teremos que recorrer a mercados de capacidade, à semelhança do que já se faz no Reino Unido e Irlanda, podendo vir a incluir "reliability option" conforme planeado já para Itália. 


Por forma a garantir a segurança de abastecimento teremos que recorrer a mercados de capacidade, à semelhança do que já se faz no Reino Unido e Irlanda, podendo vir a incluir “reliability option” conforme planeado já para Itália. Muito importante será a necessidade de explorar a capacidade dos recursos energéticos distribuídos, e em particular ao nível da flexibilidade de alguns consumidores, em termos de contribuições que estes recursos podem aportar para os mercados de capacidade via agregadores. As ferramentas que permitem avaliar os indicadores de fiabilidade para efeitos da segurança de abastecimento necessitam também de internalizar a capacidade de resposta da procura e a sua flexibilidade.

Estas mudanças necessitam de ser estudas e consensualizadas entre os Reguladores, os Operadores de Sistema, os Agentes de Mercado e os Geradores. Urge, pois, iniciar este exercício de forma organizada, podendo o poder político promover este trabalho. As Instituições do Sistema Científico e Tecnológico já estão a trabalhar neste exercício, que exige capacidade de visionar de forma fundamentada o futuro.

[Os temas abordados neste artigo de João Peças Lopes serão matéria de debate e discussão no 8.º Fórum Energia, nomeadamente no painel "Estratégia Carvão Zero"]


João Peças Lopes é diretor associado do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.


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