Nuno Campilho (Água e Resíduos-Regulação): E o que fazer quando dívidas dos clientes atingem 5 milhões?

Nuno Campilho (Água e Resíduos-Regulação): E o que fazer quando dívidas dos clientes atingem 5 milhões?

Desafio difícil, mas aliciante, me é lançado para comentar o projeto de regulamento de relações comerciais dos serviços de águas e resíduos, que a ERSAR tem em consulta pública até ao próximo dia 23 de março, e que diz respeito ao relacionamento das entidades gestoras, em baixa, com os utilizadores finais.

Ainda que, primeiramente, me tenha sido solicitado que abordasse a questão do relacionamento entre as entidades gestoras em alta e as entidades gestoras em baixa, nomeadamente, em relação à proibição de interrupção do serviço, por parte da entidade em alta, por atraso no pagamento pela entidade gestora em baixa, não posso deixar de começar com a proposta de, antes de cortar o fornecimento de água aos clientes, por falta de pagamento, as entidades gestoras passarem a ter que dar um prazo de 20 dias, após pré-aviso escrito, para que os utilizadores possam regularizar a situação.

Ora, sobre esta questão, permitam-me recordar que, pelo menos, no caso dos SIMAS de Oeiras e Amadora, já decorrem, nos termos do seu regulamento, 35 dias até estar conferido o direito, à entidade gestora, de suspender o serviço do fornecimento de água (mínimo de 20 dias para pagamento a contar da data da emissão da fatura e mais 15 dias para pagamento com juros de mora). Acresce que, após decorrido este prazo (que nunca é rígido, temos de o assumir, ainda que tal possa ser interpretado como resultado de alguma ineficiência dos serviços, o que, podendo ser uma realidade, não há como escamoteá-la – mais o facto de estarmos a falar de períodos mínimos –), ainda decorre uma antecedência mínima de 10 dias, antes da data em que essa interrupção poderá ocorrer. Assim, corridos, temos 45 dias, ou seja, um mês e meio.

Ora bem, com esta proposta e, novamente, tendo por base aquilo que se pratica em Oeiras e na Amadora, estamos a acrescentar mais 10 dias, o que alarga o prazo para os dois meses. Mais dia, menos dia, acima dos mínimos; mais fim-de-semana, menos fim-de-semana, impeditivos à emissão de avisos e à concretização da suspensão do fornecimento; rápida e facilmente, os dois meses poderão resvalar até perto dos três meses e, com isso, se vai um terço do ano. Aludindo ao comentário, a este respeito, proferido pelo Eng.º Jaime Melo Baptista, caro amigo, que muito considero e respeito, eu também defendo uma “prática equilibrada de restrições de serviços” em vez de “uma abordagem rígida” para com os não pagadores. Então, mas não é isso que se verifica já? E os pagadores? Vão ser premiados?

Mais à frente, é dito que deve "ser dado o direito aos consumidores, através de um processo administrativo, de discutirem a sua situação relativamente ao serviço e de acordarem um procedimento de pagamento da dívida”. Mais uma vez estamos de acordo, por isso é que nos serviços que dirijo temos planos de pagamento em prestações, para fazer face a situações de comprovada insuficiência económica, motivadas pela depressão social a que temos vindo a assistir nos últimos anos.

O que não pode ser considerado despiciendo, sob pena de incorrer em práticas de má-gestão, é desvalorizar o valor, líquido, das dívidas dos clientes, dos SIMAS de Oeiras e Amadora, registadas no último balanço, de 5 milhões de euros! Qual será a abordagem sugerida para situações destas? Pois...

Quanto à questão das relações entre a alta e a baixa e à proibição de interrupção do serviço por atraso no pagamento, vamos por partes: 1) Esta premissa já estava salvaguardada em algum documento anterior? Sinceramente não sei e também não tive tempo de procurar saber, lamento; 2) Esta cláusula não irá potenciar o aumento da dívida que alguns municípios/entidades gestoras em baixa já têm à Águas de Portugal? Também não sei, mas não é por falta de conhecimento é, mais, por falta de capacidade de atestar do caráter de alguns executivos de algumas entidades gestoras em baixa. Oeiras e Amadora sempre cumpriram (mais uma razão para eu não ter conhecimento se esta possibilidade já estava salvaguardada nalgum documento anterior... nunca precisei de saber!), ainda que rodeados, por vezes, de alguns que não cumpriam. Lá teriam as suas razões, mas terão de lhes perguntar a eles; 3) Que sinal é dado às entidades gestoras em baixa que cumprem? Não é um bom sinal, estou em crer. Reportando-me aos clientes finais, dos serviços domésticos, em alusão ao que já atrás referi, será que vão ser premiadas?

Na minha modesta opinião, não estamos a resolver nenhum problema, embora se saiba que ele existe. Estamos em vias de o tornear, da mesma forma que as minhocas rodeiam os obstáculos, sempre que com eles se deparam. Mas o obstáculo, tal e qual o problema, continua lá. Está a optar-se por facilitar e, facilitar, tão depressa pode ser ‘tornar fácil’, como ‘agir com imprudência e expor-se ao perigo’. É que toda esta passividade pode vir a contribuir para um engrossar do valor das dívidas dos clientes às entidades gestoras (e a dívida dos municípios à Águas de Portugal?!?!) e todos nós sabemos como é ténue a linha que separa a facilidade, do facilitismo, aquela irritante ‘tendência para apresentar, ou representar algo como mais fácil do que é, na realidade’. Depois, claro, e como lhe compete, lá aparecerá a ERSAR, a fazer reparos às Contas dessas entidades gestoras quando, no fundo, apenas se limitassem a adotar uma abordagem menos rígida.

Pior, só quando estamos perante a ‘ausência de rigor, permissividade ou laxismo’. Mas como não me pediram para avaliar caráteres, confirmo a minha incapacidade para os atestar e nem me ficava bem fazê-lo...

Nuno Campilho é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada e Pós-graduado em Comunicação e Marketing Político e em Ciência Política e Relações Internacionais. Possui ainda o Executive MBA do IESE/AESE. Foi presidente da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias e consultor especializado em modelos de gestão de serviços públicos de água e saneamento. Foi administrador dos SMAS de Oeiras e Amadora e chefe de gabinete do Ministro do Ambiente Isaltino Morais. Exerceu ainda funções de vogal do Conselho de Gerência da Habitágua, E.M.. É membro do Grupo de Trabalho Inovação da APDA e Diretor Delegado dos SIMAS de Oeiras e Amadora.

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