
Planeamento das Reservas a Longo-Prazo no Contexto do Sistema Elétrico de Energia Nacional
Segundo informação disponível na página do Operador da Rede de Transporte Nacional, i.e., a REN, assistimos ao longo dos primeiros 6 meses deste ano a um aumento significativo da produção hídrica face ao período homólogo no ano de 2017. Esse aumento, que se situou na ordem dos 77%, contempla a energia elétrica proveniente de grandes centrais a fio-de-água e de albufeira o que levou a uma menor utilização de combustíveis fosseis para o abastecimento da procura nacional.
Em larga medida, a elevada utilização em 2017 de centrais acionadas por queima de carvão e de gás natural deveu-se à situação de seca extrema observada ao longo desse ano. No entanto, e apesar de 2017 ter sido um ano extraordinariamente quente e seco, o Sistema Electroprodutor Nacional tem que estar preparado para garantir o abastecimento contínuo da procura mesmo em cenários climatológicos extremos de acordo com os parâmetros de qualidade exigidos por lei. Neste sentido, é fundamental a condução de estudos de monitorização da segurança do abastecimento com alguma regularidade, estudos esses suportados por ferramentas dotadas de modelos pormenorizados para os diversos tipos de unidades de produção por forma a se simular o funcionamento do Sistema Electroprodutor Nacional perante uma quantidade representativa de cenários climatológicos, que, em termos práticos, são materializados através da combinação probabilística da procura com diversos regimes de produção hídrica, eólica e solar. Por outro lado, e perante a ampliação da capacidade de interligação do Sistema Electroprodutor Nacional com os sistemas vizinhos, é igualmente necessário dotar essas ferramentas de modelos para a operação conjunta de sistemas interligados, nomeadamente, modelos que permitam a simulação de trocas comerciais de energia entre produtores e consumidores de diferentes áreas de controlo e modelos para o acionamento de políticas de assistência para a atenuação dos deficits momentâneos de capacidade de produção com recurso a áreas de controlo com excesso de capacidade.
Neste sentido, a REN em conjunto com o INESC TEC e o INESC P&D Brasil, tem vindo a desenvolver um modelo (o Modelo MORA) baseado em Simulação Sequencial de Monte Carlo para a avaliação da adequação da reserva de cobertura, i.e., um modelo que permite determinar se a capacidade de produção futura, que engloba a capacidade existente, a capacidade a instalar e a capacidade a desclassificar, e a capacidade de armazenamento em grandes reservatórios é suficiente para fazer face à procura prevista considerando cenários de afluências hidrológicas, cenários de produção eólica e cenários de produção solar desde o ano de 1976 até aos dias de hoje. Esta avaliação incluí também as indisponibilidades dos geradores e dos circuitos de interligação, que podem ter origem tanto em avarias fortuitas como em ações programadas de manutenção.
Uma das questões prementes associadas à progressiva substituição de centrais térmicas convencionais por recursos renováveis não controláveis prende-se com a determinação da reserva de capacidade sincronizada e não-sincronizada rápida para suavizar os desvios inerentes entre as previsões da produção renovável não controlável e a produção efetivamente observada. Neste sentido, torna-se necessário aferir também a adequação da reserva operacional a longo-prazo que incide particularmente na flexibilidade que o Sistema Electroprodutor Nacional detém para fazer face às incertezas de curto prazo inerentes ao processo de previsão e às saídas intempestivas de serviço de unidades de produção. Este tipo de avaliação inclui necessariamente os modelos de previsão dos recursos renováveis não controláveis bem como os processos de contratação de energia e de reservas num ambiente multiárea. A flexibilidade a curto prazo é avaliada do ponto de vista da reserva operacional a subir, que é maioritariamente constituída por unidades que conseguem aumentar a produção rapidamente e/ou com tempos de entrada em serviço muito curtos, e também do ponto de vista da reserva a descer, que inclui a capacidade de redução rápida da produção das unidades e também a capacidade de bombagem. Do ponto de vista da segurança de abastecimento, a reserva operacional a subir é mais critica uma vez que pode resultar em situações de corte de abastecimento em caso de insuficiência sendo que o risco inerente à falta de reserva operacional a descer é maioritariamente quantificado pelo desperdício de produção renovável não controlável.
Em suma, modelos como o Modelo MORA são fundamentais para se avaliar a robustez e sustentabilidade dos planos de expansão do Sistema Electroprodutor Nacional permitindo não só acomodar a crescente produção renovável não controlável, mas também o abastecimento das necessidades de consumo em cenários climatológicos adversos.
Leonel de Magalhães Carvalho, investigador sénior do Centro de Sistemas de Energia (CPES) do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), escreve este artigo de opinião a convite do Professor João Peças Lopes, que é desde fevereiro de 2017 o autor dos artigos de opinião da coluna "Energia-Tecnologia" no Ambiente Online. Leonel Carvalho é licenciado, mestre e doutor em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Como investigador do INESC TEC, esteve envolvido em vários projetos nacionais e internacionais de I&D entre os quais se destaca o projeto RESERVE e o projeto MORA em colaboração com a REN, o projeto ARGUS em parceria com o Laboratório Nacional Argonne nos EUA, o projeto Med-TSO para a determinação dos reforços de rede dos Sistemas Elétricos de Energia nos países mediterrânicos de acordo com o Master Plan of the Mediterranean Electricity Interconnections, os projetos FP7 MERGE, evolvDSO, iTESLA e STABALID, e o projeto H2020 SENSIBLE. As áreas de interesse do investigador incluem a avaliação da fiabilidade dos Sistemas Elétricos de Energia e a aplicação de algoritmos de inteligência computacional a problemas de otimização.