Os serviços de águas e os recursos hídricos: articulados ou desarticulados?

Os serviços de águas e os recursos hídricos: articulados ou desarticulados?

Todos estamos conscientes da enorme interdependência dos serviços de abastecimento de água e gestão de águas residuais e pluviais com os recursos hídricos, quer na utilização destes recursos enquanto matéria-prima para a produção de água para consumo humano, quer na sua utilização enquanto meio recetor das águas residuais.

Não podemos aspirar a ter melhores serviços de águas sem cuidarmos dos nossos recursos hídricos, e o inverso é também verdade. Não poderemos ter bons recursos hídricos sem cuidarmos desses serviços públicos essenciais.

Em termos institucionais, as intervenções da autoridade de recursos hídricos – Agência Portuguesa do Ambiente (APA) - centram-se nesses recursos e fazem a interface com os serviços de águas como fazem com outros utilizadores da água, como por exemplo agricultura, indústria, produção de energia e turismo. Por outro lado, a intervenção da entidade reguladora - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) - é distinta, focalizando-se na regulação dos serviços de abastecimento de água para consumo humano e de gestão de águas residuais e pluviais, envolvendo prestadores e utilizadores, preocupando-se com a sustentabilidade dos serviços numa perspetiva integrada e num contexto de eficácia, eficiência e sustentabilidade. A ERSAR apenas regula um dos vários setores utilizadores da água. As responsabilidades destas duas entidades públicas devem portanto ser distintas mas complementares, sem sobreposições nem lacunas.

Um estudo recente da APA conclui que nos últimos 20 anos a disponibilidade de água em Portugal se reduziu em cerca de 20%, prevendo-se que diminua entre 10 e 25% até ao final do século, o que constitui mais um enorme desafio para os serviços de águas. É, portanto, indispensável reforçarmos a articulação institucional entre a gestão dos recursos hídricos e os serviços de águas, na implementação de políticas públicas, no desenvolvimento de instrumentos de planeamento, na interpretação e aplicação de legislação e ainda na gestão de informação.

Falemos agora de um desses aspetos de articulação, o desenvolvimento de instrumentos de planeamento. No âmbito do Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP 2030), recentemente aprovado pelo Governo, para se alcançarem os 20 objetivos nele preconizados são identificadas 70 medidas associadas aos serviços de águas. São no entanto também identificadas 15 outras medidas complementares associadas à regulação ambiental, que procuram resolver diversos problemas que, face à sua importância e ao forte impacte nos serviços de águas, necessitam claramente de ser resolvidos.

Com essas medidas, o Governo afirma claramente através do PENSAARP 2030 o seu compromisso de fazer incluir em sede dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, em preparação pela APA, preocupações essenciais para o sucesso dos serviços de águas, a saber:

  • Reforço da regulação ambiental das captações de água no ciclo urbano e das rejeições de águas residuais e pluviais de sistemas públicos e soluções particulares, intervindo ex-ante, durante e ex-post de forma mais efetiva;
  • Reforço da fiscalização de perímetros de proteção das origens de água enquanto reservas essenciais, de licenciamento das captações de água, das rejeições das águas residuais - e eventualmente das águas pluviais quando consideradas relevantes - e de descarregadores de emergência das águas residuais;
  • Intensificação da recolha e do tratamento da informação dos recursos hídricos relevante para permitir em tempo adequado uma melhor gestão do risco das captações e das rejeições;
  • Reforço da articulação institucional da autoridade de recursos hídricos com a entidade reguladora, racionalizando e agilizando procedimentos entre elas, nomeadamente no que se refere aos pontos de fronteira;
  • Reforço da articulação da autoridade de recursos hídricos com as entidades gestoras na monitorização e na gestão do risco da água;
  • Procura de novas soluções tecnológicas de apoio à fiscalização ambiental (e.g. robótica) e de parcerias com associações da sociedade civil para alerta de incumprimentos nas rejeições e captações dos serviços;
  • Avaliação regular da atividade da APA, por painel internacional, na componente de recursos hídricos, tal como também está previsto para a ERSAR.

Aqui está uma boa oportunidade para o Governo se afirmar coerente nas suas políticas e consistente nas suas afirmações, pelo que aguardamos a aprovação da nova geração dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica. Seria incompreensível que tal não acontecesse.

Todos pugnamos por uma articulação perfeita entre a autoridade de recursos hídricos e a entidade reguladora dos serviços, e isso começa num planeamento coerente. A bem da sociedade e de todos nós.

 

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