
ambiente
Quinta da Granja é “bolha” de ar puro no meio de Lisboa
Os mais distraídos que visitam o Centro Comercial
Colombo, em Lisboa, não adivinham que mesmo ali ao lado crescem couves e
alfaces viçosas como as que enchem as prateleiras dos supermercados. As hortas
da Granja de Baixo e Granja de Cima, em Benfica, resistiram ao interesse da
construção, assim como as restantes hortas urbanas que se estendem ao longo de
um anel de cerca de sete quilómetros na zona periférica da capital.
No final da tarde, enquanto ainda bate um sol
generoso na colina e a luz natural ainda alumia o caminho, encontramos Carlos
Reis a plantar bróculos - ou, nas suas palavras, a «entreter-se». «Nascido e
criado na agricultura», Carlos Reis trouxe o «bichinho» da horta quando veio da
Covilhã para Lisboa, aos 23 anos. Equipado
a rigor, com fato-macaco, boné e galochas, o agente da PSP aproveita a folga
para cultivar os quadradinhos de terra que ocupa «há seis ou sete anos», altura
em que começou a trabalhar para a Câmara Municipal de Lisboa e conheceu «o
Mendes», um colega seu. «Foi ele que me trouxe para aqui. Vamo-nos trazendo uns
aos outros», explica entre sorrisos.
É assim que os agricultores vão chegando aos grupos
quase “comunitários” que ocupam os terrenos, ora camarários (onde, actualmente,
pagam uma licença temporária de ocupação), ora disponibilizados por privados
(como é o caso da família Canas, proprietária dos terrenos da Granja de Cima).
«Quando alguém desaparece de um grupo, ou porque vai
embora ou porque morre, são os restantes membros que decidem quem entra para o
seu lugar. Há um direito político de organização», explica Gonçalo Ribeiro
Telles, numa visita guiada à horta que ele conhece como a palma das mãos.
Três grupos de agricultores
Os agricultores de Lisboa dividem-se em três grupos
principais. O primeiro, composto por trabalhadores ou reformados da Carris, da
Guarda Nacional Republicana, da PSP ou da Câmara Municipal, que querem ocupar
os tempos livres e ter «produção de qualidade, para eles e para darem aos amigos»,
continua o arquitecto. Depois, há uma espécie de «direito de posse». «Eles
fazem aqui as hortas e juntam-se em comunidades, em função da água de que
dispõem, que dá para sete ou oito agricultores», comenta.
Um segundo
grupo, que ocupa, por exemplo, as hortas do Bairro do Padre Cruz, engloba
agricultores que cultivam para «equilibrarem a alimentação, para consumo
próprio e venda», explica Ribeiro Telles. Os emigrantes, particularmente os
cabo-verdianos, formam o terceiro grupo, que fez «um trabalho notável» nos
taludes que ladeiam a CREL e a CRIL. «Cultivam por necessidade e também porque
trouxeram o “vício” de fora», refere.
Hortas são um “analgésico”
A ideia de
ver pessoas a passear ali ao lado enquanto trata da horta, nos corredores
verdes que a Câmara Municipal pretende construir, é bem vista por Carlos Reis,
que defende que «todos deviam poder apreciar este ar puro».
De facto,
quem se aproxima dos terrenos entra quase numa outra dimensão, que parece
protegida da poluição citadina por uma bolha de ar, que cheira a fresco. A
calma do espaço, interrompida apenas pelo ladrar do cão do dono dos terrenos do
lado, é quase um analgésico para as dores de cabeça provocadas pelo stress
diário. «Ando aqui distraído, não ando a pensar em assuntos de trabalho ou
outras coisas que me preocupam», garante.