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José Luís Pinto de Sá: «Não existe uma política energética, apenas medidas casuísticas»
Depois
da apresentação do manifesto por uma nova política energética em
Portugal, assinada por 33 personalidades ligadas ao sector, José
Luís Pinto de Sá explica ao AmbienteOnline como
nasceu a iniciativa e o que criticam os seus signatários. O
professor do Instituto Superior Técnico e consultor no sector da
energia, uma das vozes mais sonantes do manifesto, fala da
importância do planeamento estratégico e da necessidade de haver um
mix energético que assegure uma produção em concordância
com o consumo. As metas impostas por Bruxelas para as renováveis
merecem ainda as críticas de Pinto de Sá. São «intrínsecamente
erradas», acusa.
Como surgiu a ideia de avançar com
a constituição do manifesto?
Eu diria que, neste grupo
de 33 signatários, estão aqui pessoas que têm reflectido sobre
este assunto e que têm manifestado posições políticas em vários
aspectos. No meu caso, iniciei um blogue,
em Junho do ano passado, e comecei a perceber que havia uma série de
opiniões no público, veiculadas pelos meios de comunicação e até
com anuência dos partidos na oposição. Coisas absurdas estavam a
tornar-se consensuais. Aliás, coisas tecnicamente absurdas e
economicamente desastrosas.Comecei a escrever sobre isso no meu
blogue e comecei a contactar com algumas pessoas, entre elas o
professor Mira Amaral. Desta forma, criou-se um grupo e gerou-se uma
troca de e-mails. Entretanto,
alguém propôs, a que certa altura, a elaboração de um
manifesto, já que estamos todos de acordo, todos a partilhar a mesma
indignação e o mesmo sentimento de «como é que é possível que
se tenham tornado consensuais uma série de ideias absurdas?».
O que defende este manifesto?
O que se defende é que
exista uma política energética. O que existe actualmente não é
uma política energética planeada, mas medidas casuísticas. Por
exemplo, a questão das hidroeléctricas para fazer bombagem para as
eólicas. Isto nunca foi testado em lado nenhum e não foi estudado.
Mais ainda, estou convencido que nem sequer funciona. Além do preço,
já que essas hidroeléctricas vão custar perto de 5 mil milhões de
euros, um valor superior ao investimento no novo aeroporto, acredito
que não vão produzir energia nenhuma. Apesar da ideia se basear num
mecanismo de armazenamento para as eólicas, tenho muitas dúvidas
que funcione. E nós temos uma evidência, dada até pelo Inverno
passado, que nas alturas em que há mais vento durante o ano, as
barragens estão cheias de água da chuva e, por consequência, não
conseguem fazer bombagem. Nós vamos ser pioneiros numa decisão de
milhões de euros, que não tem por base nenhum estudo. Isto parece
África. Nunca pensei ver decisões energéticas a funcionar assim.
Mas há determinadas metas que são
exigidas por Bruxelas e que Portugal, como Estado-Membro, tem de
cumprir...
Somos obrigados, mas mesmo durante a
negociação, as metas podem ser definidas de país para país.
Aliás, há um bom exemplo. Em 2001, Portugal conseguiu um resultado
muito bom nas negociações. Portugal era, na altura, o terceiro
Estado-membro em fontes de energias renováveis, devido às
hidroeléctricas do século passado. Conseguimos negociar a
manutenção da produção renovável em termos relativos, que apenas
teria de acompanhar o crescimento do consumo até 2010. Isto mostra
que logo na própria negociação há coisas que se podem conseguir.
Mais recentemente definiram-se as metas
energéticas para 2020. Mas desta vez, Portugal candidatou-se a ser o
campeão, sem ter feito contas nenhumas de quanto isto iria custar e
de como poderia ser feito. Porém, o próprio facto de nos termos
candidatado a metas extravagantes, não significa que elas voltem
atrás. Neste momento está em preparação uma revisão do plano
para 2020, iniciado pela Alemanha e França, e que será concluído
em 2013.
O problema é que, em Bruxelas
lembram-se de dizer metas “20/20/20”, em jeito de slogan
maoísta, e nós vamos a correr fazer. Mas temos que pensar o que
isso significa para Portugal, qual a forma de resolver. Pessoalmente,
defendo que estas posições da UE devem ser criticadas, porque estão
intrinsecamente erradas.
Há quem conote este grupo e este
manifesto como uma forma encapotada de defender a implantação do
nuclear em Portugal. Acreditam que é esta a solução energética
para Portugal?
Há uma posição que é comum nas
forças dominantes: quando são atacadas por alguma coisa,
contra-atacam noutra. Penso que aqui a questão é essa. Tenta-se
conotar o grupo com uma posição pró-nuclear. A questão que o
grupo considera é que, antes de mais, é preciso fazer um
planeamento. Em segundo lugar, é preciso uma solução que cumpra as
metas de redução de CO2 ao custo mínimo. Do ponto de vista
técnico, é preciso um mix, uma mistura equilibrada. De tal
forma que não tenhamos em excesso uma forma de energia que depois
obrigue a ter armazenamentos ou centrais de reservas. Isto põe-se
nas intermitentes, mas também no nuclear, com produção constante
sem variação de acordo com o consumo. Nenhuma das duas, só por si,
se adequa, por isso é bom ter uma mistura de várias alternativas.