Paulo Praça: Nova Legislatura: contributos para o desenvolvimento do Setor de Gestão dos Resíduos

Paulo Praça: Nova Legislatura: contributos para o desenvolvimento do Setor de Gestão dos Resíduos

No início de uma nova legislatura importa recordar assuntos e tomar as devidas medidas. Este é sempre um tempo de novas expetativas. Sabemos já que vamos ter um Ministério do Ambiente e da Ação Climática. A palavra “Ação” é promissora e é também o que se exige.

Recordo, sinteticamente, a situação atual do setor dos resíduos urbanos (RU) em Portugal:

-   Produção crescente de RU, fortemente ligada ao rendimento das famílias, mas também ao crescimento económico, nomeadamente do turismo;

-   Existência de uma rede de recolha relativamente eficaz de RU, apresentando no entanto uma ainda baixa percentagem de recolha seletiva, apesar da elevada infraestruturação do país em termos de recolha seletiva multimaterial;

-   Recolha seletiva de biorresíduos ainda incipiente;

-   Existência de uma grande dependência do aterro sanitário enquanto destino final dos resíduos e uma forte dependência de Tratamentos Mecânicos e Biológicos como tratamentos intermédios;

-   Fraca adesão da população em matéria de hábitos de consumo e de separação de resíduos;

-   Ausência de um modelo de pagamento adequado ao custo real e justo da gestão de tratamento de RU que reflita o impacto do comportamento do cidadão no seu custo, bem como das condições para a sua criação de modo a não comprometer quer a capacidade de o suportar pela população quer a sustentabilidade do sistema;

-   Fragilidade atual da política de incentivo à produção de energia a partir de RU que pode vir a afetar o nível de sustentabilidade do setor;

-   Forte exposição e dependência das políticas públicas nacionais face aos fundos comunitários, a que se junta a falta de comunicação ao Setor sobre a posição e participação nacional, nomeadamente quanto aos debates em curso sobre o Regulamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Coesão e a Proposta da Comissão relativa ao Regulamento sobre Taxonomia aplicável a Investimentos Sustentáveis, os quais terão um impacto decisivo sobre os investimentos suscetíveis de apoio por fundos públicos.

Perante este cenário, defendo e proponho para o setor da gestão de RU a total adesão ao desafio de contribuir de forma ativa e profícua na transição para um modelo de Economia Circular, o que só será exequível através de uma profunda alteração do atual paradigma, de modo a alcançar uma efetiva e necessária abordagem integrada de soluções, na e para a gestão de RU, através das seguintes medidas:

  • Uma ação determinada dos Estados e da UE com vista a minimizar a produção de resíduos – consumo consciente e prevenção (incluindo ecodesign); alteração de hábitos e estímulos ao consumo e redução do desperdício alimentar - matérias que ultrapassam o âmbito exclusivo de atuação das empresas de gestão e tratamento de resíduos.
  • Otimização dos sistemas de recolha visando uma maior coordenação entre as várias tipologias e as diferentes entidades com competências nesta matéria, independentemente da responsabilidade pela operação, criando condições de proximidade e eficazes, nomeadamente a proximidade da contentorização da recolha seletiva (incluindo, futuramente, dos biorresíduos) e indiferenciada.
  • Tendo em conta as futuras metas de reciclagem e de aumento da recolha seletiva, nomeadamente de biorresíduos, considera-se fundamental que se dê rapidamente início a um estudo para a reconversão dos sistemas de Tratamento Mecânico e Biológico (TMB) existentes no País, visando o aproveitamento da sua capacidade de tratamento biológico para os biorresíduos que venham a ser recolhidos seletivamente. Ao mesmo tempo dever-se-á iniciar também o estudo das soluções a implementar para a recolha seletiva de orgânicos, tendo em vista as caraterísticas territoriais das áreas que servem as unidades de TMB.
  • Avaliação das necessidades suplementares de recolha seletiva multimaterial e respetivo tratamento, com vista, por um lado, à substituição da capacidade de tratamento atual nos TMB desta fração, e, por outro, pela óbvia necessidade de aumento de quantidades para cumprir as metas do Pacote da Economia Circular.
  • Criação de capacidade de tratamento por valorização energética para a totalidade dos resíduos que não sejam suscetíveis de reciclagem, com a qualidade que a Economia Circular exige. Portugal tem uma capacidade anual per capita de valorização energética de cerca de 100kg, que está abaixo da média da UE (129kg) e muito abaixo dos países que a European Environmental Agency considerou como os que tinham melhor desempenho em termos de reciclagem: Áustria (212kg de capacidade per capita de valorização energética), Bélgica (182kg), Alemanha (202kg), Holanda (245kg) Suíça (343kg) (Eurostat); bem como dos países que já hoje depositam em aterro menos de 5% dos RU: Suécia (229kg), Dinamarca (418kg), Finlândia (239kg), Noruega (221kg de capacidade per capita de valorização energética de resíduos). É, portanto, claríssima, a relevância da capacidade de valorização energética de resíduos para o cumprimento das metas, especialmente, a de desvio de aterro, para a Economia Circular. Acresce que, sendo Portugal um país com uma grande faixa costeira, corre o risco de receber resíduos de plástico vindos do mar, a larga maioria sem condições de reciclabilidade, mas que podem e devem ser devidamente valorizados.
  • Avaliação das consequências económicas e financeiras das alterações técnicas necessárias, a fim de garantir que a atividade de gestão de resíduos tenha a robustez financeira adequada que lhe permita fazer face aos novos desafios.
  • Adoção de campanhas de informação e capacitação da população, bem como de medidas eficazes com vista à mudança de comportamento, nomeadamente, através de instrumentos de natureza “Pay-as-you-through - PAYT”.
  • Prorrogação do regime de tarifa de remuneração garantida sobre o fornecimento de eletricidade produzida a partir de resíduos urbanos por parte da generalidade dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) em alta.
  • Maior articulação do Governo com os representantes dos SGRU sobre os processos comunitários em curso com repercussões a nível do desenvolvimento do Setor, nomeadamente, no que se refere aos apoios à implementação de infraestruturas para tratamento de resíduos urbanos, sob pena de ver comprometido o cumprimento das metas ambientais e a transição para um modelo de desenvolvimento circular.

Em suma, o conjunto dos pontos acima destacados são, em nosso entender, essenciais para que, em 2035, Portugal cumpra os ambiciosos objetivos da Economia Circular no setor da gestão de resíduos, reciclando 65% dos RU, incluindo reciclagem multimaterial e de biorresíduos, valorizando energeticamente os restante 35% e garantindo a capacidade de tratamento de reserva adicional para os imprevistos que se venham a verificar como os resíduos trazidos pelo mar ou outros, catapultando o setor dos resíduos urbanos para um novo patamar de desenvolvimento e de resultados, imprescindível face à situação nacional nesta matéria e ao contributo que tal desenvolvimento acarreta em termos de benefícios ambientais e sociais.

Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da empresa intermunicipal Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos. Professor-Adjunto Convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente. Investigador do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais (NEDAL), subunidade orgânica da Escola de Direito da Universidade do Minho (EDUM). Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional. Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.

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