
Nuno Campilho: Quando não há mais nada para fazer…
No final do mês passado, o semanário “Expresso” publicava uma notícia que expunha o seguinte: “O Bloco de Esquerda (BE) está a desenvolver iniciativas para convencer várias autarquias da Grande Lisboa a aprovar a concessão automática de tarifas sociaisna água a famílias de menores rendimentos. O deputado Jorge Costa adiantou aoExpresso que o partido o irá propor em breve em Oeiras, depois de a Amadora já o ter aprovado (...).”
Confesso que tive de ler umas três vezes e até tirei uma foto que guardei no telemóvel. E como a idade me ensinou a ponderar, fui consultar a Lei, mais concretamente, o Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, que estabelece o regime de atribuição da tarifa social para a prestação dos serviços de águas pelo município territorialmente competente, a clientes finais do fornecimento dos serviços de águas; não fosse eu estar equivocado ou a pandemia – como é notório em algumas outras pessoas – me ter provocado perturbações cognitivas.
Nada disso! Está lá, mesmo, escrito, no n.º 1 do art.º 6º, que “a atribuição da tarifa social ao cliente final do fornecimento dos serviços de águas é automática, não carecendo de pedido ou requerimento dos interessados”.
Então do que é que trata aquela notícia com que abri este artigo? Efeito ao retardador? (des)Datação? “Fake News”?
Embora isto pareça algo completamente alucinante, vou alinhar... vou tentar alinhar... desculpem, não consigo! É demais para a minha honestidade intelectual. Então o BE quer convencer as autarquias a aprovar a concessão automática das tarifas, mas o que o DL diz (n.º 3 do art.º 6º) é que “os municípios aderentes solicitam e obtêm a informação sobre a elegibilidade dos potenciais beneficiários, mediante o número de identificação fiscal do titular do contrato e do código do local de consumo, através da DGAL, que para este efeito consulta os serviços competentes da Segurança Social e da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)”.
DGAL que, por sua vez “promove a consulta para verificação das condições estabelecidas (...) aos serviços da Segurança Social e da AT, através da plataforma de interoperabilidade da Administração Pública gerida pela Agência da Modernização Administrativa, I. P., mediante prévia celebração de um protocolo de acesso aos dados, submetido à apreciação da Comissão Nacional de Proteção de Dados” (inexequível, eu sei, mas é a Lei, é o que foi aprovado, é o que está em vigor e não é o que está aqui em causa).
E quando eu pensava que já tinha terminado a corrida, ainda faltava mais uma voltinha... então não é que a Amadora já aprovou? Mas aprovou o quê, se a Amadora, por si só, não tem autonomia para aplicar o que quer que seja, unilateralmente, já que tem a gestão dos serviços de água e saneamento delegada nos serviços intermunicipalizados de Oeiras e da Amadora?
Mas aprovou o quê, se a Amadora, por si só, não tem autonomia para aplicar o que quer que seja, unilateralmente, já que tem a gestão dos serviços de água e saneamento delegada nos serviços intermunicipalizados de Oeiras e da Amadora?
Afinal o que é que o BE pretende? Alterar a Lei? Acabar com a burocracia? Ou entreter-se (e entreter-nos) em tempos de (semi)confinamento? Isto é tão absurdo, que até se compreende o silêncio do Regulador. Não sei quanto a vós, caros leitores, mas eu tenho mais que fazer!
Nuno Campilho é licenciado em Relações Internacionais e Pós-graduado em Comunicação e Marketing Político, em Ciência Política, e em Tecnologias e Gestão da Água. Executive MBA do IESE/AESE. Doutorando em Políticas Públicas no ISCTE-IUL. Foi presidente da União das Freguesias de Oeiras, Paço de Arcos e Caxias, administrador dos SMAS de Oeiras e Amadora e chefe de gabinete do Ministro do Ambiente, Isaltino Morais. Exerceu, ainda, funções de vogal do Conselho de Gerência da Habitágua, E.M. Foi titular do cargo de Diretor Delegado dos SIMAS de Oeiras e Amadora, até ao final de janeiro de 2020, é membro da Comissão Especializada de Inovação da APDA e Senior Business Partner da Mundi Consulting.