Poço sem Fundo
água

Poço sem Fundo

A criação da TRH teve por base a aplicação, consagrada pelas Nações Unidas e vertida

na Diretiva-Quadro da Água e na Lei da Água, do princípio do poluidor-pagador.

 

Entre o momento da sua entrada em vigor (2008) e o momento atual, os beneficiários dos valores arrecadados pela sua aplicação, foram extintos, integrados, ou reformulados, o que levou a uma necessidade de alteração e republicação legislativa (APA em lugar do INAG; Fundo Ambiental em lugar do Fundo de Proteção dos Recursos Hídricos; extinção/integração das ARH na APA).

 

A relação inerente à TRH, pressupõe contrapartidas a cargo da Administração Pública, nomeadamente a realização de atividades para melhorar o estado das águas e dos ecossistemas associados e a eficiência do uso da água, bem como a prestação de serviços de gestão dos recursos hídricos, incluindo a monitorização, o planeamento, o licenciamento dos diferentes usos das massas de água e a fiscalização.

 

As contrapartidas pelas receitas provenientes da cobrança da TRH (mais de 40 milhões

de euros/ano) são desproporcionadas. Presume-se que o Fundo de Proteção dos Recursos Hídricos se foi mantendo inativo, acumulando receitas (50% da TRH) que, entretanto, passaram a ser afetas ao Fundo Ambiental (não existem relatórios sobre a aplicação das receitas do Fundo, como estabelecido na Lei n.º 82-D/2014, pelo que se presume a sua inatividade, limitando-se a acumular as receitas, sem qualquer contrapartida para a proteção dos recursos hídricos). Isto porque o desinvestimento no

domínio dos recursos hídricos provocou a degradação das redes e a insuficiência dos programas de monitorização, determinando a fragilidade dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica (cujas administrações, entretanto, foram integradas na APA) e disfunções na gestão dos recursos hídricos.

 

O Fundo Ambiental tem por finalidade apoiar políticas ambientais para a prossecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável, contribuindo para o cumprimento dos objetivos e compromissos nacionais e internacionais, designadamente os relativos às alterações climáticas, aos recursos hídricos, aos resíduos e à conservação da natureza e

biodiversidade.

 

O Fundo atribuiu, em 2019, 89 subvenções e outros benefícios públicos, no valor total de 13 410 000€. Considerando que a receita proveniente da TRH, para o mesmo ano, se cifrou em 22 315 000€ (50% do total), significa que a mesma teve capacidade para suportar integralmente essas subvenções (60%) e ainda libertou quase 9 milhões de euros (40%) para cobrir outras despesas do Fundo Ambiental (convém salientar que, dos 14 objetivos consagrados nos financiamentos concedidos pelo Fundo Ambiental, apenas dois deles dizem diretamente respeito à água e à proteção dos recursos hídricos).

 

Sobre as receitas totais do Fundo (414 200 000€) o peso da TRH é de 5,4%, sendo que o mesmo pode, ainda, estabelecer mecanismos de articulação com outras entidades públicas e privadas, designadamente com outros fundos públicos ou privados nacionais,

europeus ou internacionais, relacionados com o desenvolvimento de políticas ambientais para a prossecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável.

 

A parcela restante, de 50%, conforme já verificado, é atribuída à APA.

 

O próprio Plano Nacional da Água (instrumento imprescindível para a avaliação desta política pública) limita-se a registar que o esforço técnico e financeiro para o cumprimento das exigências de monitorização estabelecidas pela Lei da Água se revela desproporcionado face às capacidades de investimento das autoridades competentes, sem apresentar quaisquer medidas de mitigação.

 

Perceciona-se, ainda, uma certa falta de transparência do cálculo da TRH.

 

Embora a lei estabeleça que a fatura apresentada aos consumidores finais dos serviços públicos de águas deva desagregar todas as taxas e encargos aplicáveis, explicitando o respetivo processo de cálculo, os consumidores domésticos apenas são informados do valor unitário das TRH relativas aos serviços de abastecimento de água e de saneamento, não sendo discriminadas as diferentes componentes da TRH que intervêm no cálculo, nem o valor das perdas.

 

A situação descrita no parágrafo anterior carece, efetivamente, de ser alterada, seja por via de uma Recomendação da ERSAR, o que seria o mais ágil e conveniente, seja através de nova alteração e republicação legislativa, o que me parece, efetivamente, um pouco excessivo.

 

Será que alguns colegas, responsáveis pela direção das entidades gestores de abastecimento de água e saneamento de águas residuais chegou ao Fundo? Se sim, digam-me como é, porque eu confesso a minha inabilidade para tamanha perspicácia, estou enfiado num Poço e continuo a escavar.

 

Nuno Campilho é licenciado em Relações Internacionais e Pós-graduado em Comunicação e Marketing Político, em Ciência Política, e em Tecnologias e Gestão da Água. Executive MBA do IESE/AESE. Doutorando em Políticas Públicas no ISCTE-IUL. Foi presidente da União das Freguesias de Oeiras, Paço de Arcos e Caxias, administrador dos SMAS de Oeiras e Amadora e chefe de gabinete do Ministro do Ambiente, Isaltino Morais. Exerceu, ainda, funções de vogal do Conselho de Gerência da Habitágua, E.M. Foi titular do cargo de Diretor Delegado dos SIMAS de Oeiras e Amadora, até ao final de janeiro de 2020, e Senior Business Partner da Mundi Consulting. É membro da Comissão Especializada de Inovação da APDA, Diretor-geral da ABMG - Águas do Baixo Mondego e Gândara, E.I.M., S.A. e vice-presidente da APDA.

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