
Resiliência do Sistema Elétrico de Energia – um novo paradigma de operação e planeamento
A nossa sociedade e economia dependem da disponibilidade de infraestruturas críticas como o sistema elétrico de energia, cuja importância tende a aumentar com a crescente eletrificação de setores como os transportes e a indústria. No entanto, as alterações climáticas e o aumento da probabilidade de ocorrência de eventos atmosféricos extremos, assim como outras ameaças à segurança (como ciberataques), podem comprometer a sua resiliência.
A resiliência do sistema elétrico, pode ser definida como a capacidade de limitar a extensão, a magnitude e a duração da degradação do mesmo após a ocorrência de um evento extremo. A resiliência, embora relacionada, vai além do conceito de fiabilidade, descrevendo a capacidade da rede elétrica em se antecipar, preparar, mitigar, responder, recuperar e adaptar perante a ocorrência de eventos extremos.
Numa perspetiva de planeamento de rede, a resiliência é integrada como um novo critério na avaliação dos investimentos. Primariamente é realizada uma identificação das ameaças ou eventos mais relevantes (i.e. incêndios, terramotos, tempestades) para os quais são quantificados os impactos no sistema elétrico, tendo em conta uma abordagem estocástica. O objetivo destes estudos é identificar e caraterizar eventos que, embora pouco prováveis, podem conduzir a falhas simultâneas em diversos pontos da rede. Como resultado, a análise deverá identificar e avaliar o impacto da adoção de medidas como as soluções convencionais de investimento de rede (i.e. redundância e reforço de linhas e subestações) e/ou mudanças na estratégia de operação durante os eventos (i.e. desligar equipamento preventivamente, planear equipamento de reserva).
A capacidade de prevenir, mitigar e recuperar passará também pela adoção de novas tecnologias e funcionalidades de monitorização, que permitam avaliar o risco e definir ações de controlo preditivas e corretivas, tendo em conta não só os ativos de rede como os recursos energéticos distribuídos (i.e produção renovável, sistemas de armazenamento de energia e cargas flexíveis).
A crescente integração de soluções de monitorização, como as PMU (Phasor Measurement Units) permitem avaliar a tensão e corrente em magnitude de forma sincronizada e com grande resolução temporal, sendo relevante para monitorização das redes de transmissão interligadas (Wide area measurement and control), para a identificação, classificação e localização de defeitos e deteção de topologia. A proliferação de sensores IoT (Internet of Things), permite ainda aumentar a capacidade de monitorizar a condição dos ativos mais relevantes do sistema, como transformadores e disjuntores.
Esta capacidade de monitorização permitirá assim melhorar a capacidade de avaliar o estado da rede, prevenir possíveis perturbações e adaptar as estratégias de controlo em tempo-real para mitigar os impactos destes eventos.
Na rede de distribuição, estratégias descentralizadas para a reconfiguração de rede e reposição de serviço local poderão ser viabilizadas, não só explorando a automação de rede como também os recursos elétricos distribuídos. A flexibilidade oferecida pelos sistemas de armazenamento de energia elétrica, tipicamente disponíveis em soluções de autoconsumo ou comunidades de energia, terá um papel muito importante na resolução de problemas de congestionamento de ramos da rede, desvios na amplitude da tensão ou ainda viabilizar a formação de ilhas planeadas.
Melhorar a resiliência do sistema elétrico de energia requer assim uma abordagem holística. As metodologias de planeamento da rede e as estratégias de operação e reposição de serviço serão revistas tendo em consideração o impacto da ocorrência de eventos extremos e a integração de novas tecnologias. Esta abordagem deverá ainda ser coordenada - entre o Operador da Rede de Transmissão, Rede Distribuição e outros setores críticos - e integrada, considerando relevância dos sistemas de informação e comunicação na operação do sistema elétrico.
Clara Gouveia é mestre e doutorada em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em 2008 e 2015 respetivamente. É membro do Centro de Sistemas de Energia do INESC TEC - Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência, onde desempenha funções de Investigadora Sénior. É atualmente responsável pela área EMS/DMS e automação de redes, tendo a seu cargo a definição de linhas estratégicas de atuação e angariação de financiamento a nível nacional e europeu. Integra ainda o Conselho Científico do INESC TEC.
Desde 2015 que desempenha funções de gestão de projetos de investigação e consultoria envolvendo empresas relevantes no sector nacional e internacional. O seu trabalho é dedicado à especificação, desenvolvimento e validação de soluções de gestão de energia tendo em conta a integração de recursos distribuídos (armazenamento de energia, produção dispersa, carga controlável e veículos elétricos) assim como soluções para a digitalização da rede de distribuição.
Conta ainda com publicações em revistas científicas internacionais, livros e atas de conferências internacionais.