Opinião Sara Antunes: Desafios da Reutilização de Água
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Opinião Sara Antunes: Desafios da Reutilização de Água

No quadro de pressão crescente sobre os recursos hídricos, agravado em contexto de alterações climáticas, com aumento da frequência e severidade dos períodos de seca, a reutilização de água assume uma importância cada vez maior. Trata-se de uma origem alternativa de água para usos não potáveis, com contributo relevante para a gestão integrada dos recursos das regiões com stress hídrico. 

A criação dos diplomas que regulamentam a atividade de reutilização – produção, fornecimento e utilização de água para reutilização (ApR), incluindo os Decretos-Lei n.º 119/2019 e n.º 16/2021, e instrumentos de planeamento como o Plano de Eficiência Hídrica do Algarve, reforçados pela publicação do Regulamento (UE) 2020/741, representam um importante estímulo à reutilização de água. Em paralelo, o Grupo AdP elaborou o seu Plano de Ação para a Reutilização e planos regionais que visam estudar a viabilidade da reutilização de água no contexto de cada empresa operacional e definir medidas concretas para potenciar e concretizar esta atividade em cada região.

"Os diversos projetos de reutilização que têm sido desenvolvidos pelo Grupo AdP (…) têm contribuído para aumentar o conhecimento"

Os diversos projetos de reutilização que têm sido desenvolvidos pelo Grupo AdP, em diferentes escalas e contextos regionais — rega agrícola (REUSE, AQUA-VINI, Casa Relvas), de campos de golfe e espaços verdes urbanos, lavagens e utilizações industriais, têm contribuído para aumentar o conhecimento, criar sinergias entre stakeholders, ultrapassar barreiras e desenvolver soluções seguras e adequadas em termos de custo-benefício, baseadas na abordagem fit-for-purpose e avaliação do risco, permitindo desenhar soluções proporcionais face aos usos previstos e às condicionantes específicas. A divulgação dos casos de sucesso, tem resultado num aumento da procura, mesmo em regiões onde a escassez de água não é crítica, assente em objetivos de utilização eficiente e preservação dos recursos hídricos. Para estimular a reutilização é, todavia, crucial a criação de instrumentos políticos e legais complementares, que garantam uma estratégia, regulação ambiental e económica e uma política integrada de incentivos adequados, que permitam o crescimento consistente da reutilização através da operacionalização de planos concretos com responsabilidades partilhadas pelos stakeholders. Os atuais níveis de reutilização são limitados por vários constrangimentos:

• Disponibilidade de origens convencionais a preços baixos 

• Valores de TRH e autorizações de captação em zonas de escassez não incitam a reutilização
• Distância entre produção e utilização 
• Desconfiança do consumidor sobre a qualidade da ApR e dos produtos regados com ApR 
• Ausência de uma estratégia nacional integrada, transversal a vários setores
• Repercussão dos custos de tratamento, transporte e garantia de qualidade no Preço de um produto com perceção de valor baixa 
• Risco do negócio face à volatilidade da procura 
• Limitações e morosidade dos processos regulatórios e de licenciamento 
• Dificuldade de acesso a incentivos financeiros
 
O estabelecimento de uma política que promova a diversificação de origens e flexibilidade na oferta de serviços, revendo os atuais modelos de negócio e limites de atuação das entidades gestoras, possibilitado pela entrada em vigor do DL 16/2021, é essencial para derrubar barreiras e dinamizar a articulação de políticas, setores e stakeholders, em particular os reguladores.
 
O novo diploma, que estabelece a produção e fornecimento de ApR como uma atividade principal de serviço público essencial, cria a oportunidade de desenhar novos modelos de negócio e a possibilidade de alicerçar a atividade em projetos âncora, que assegurem uma maior estabilidade da procura e a redução do risco dos investimentos, atenuando as assimetrias de preços dos vários projetos e permitindo, desse modo, viabilizar projetos com tarifas atrativas e garantindo a sua sustentabilidade económica.
 
"Importa consensualizar aspetos relativos à repartição de responsabilidades entre os vários intervenientes"
 
Importa consensualizar aspetos relativos à repartição de responsabilidades entre os vários intervenientes (EG, APA, consumidor) e ao modelo tarifário (EG e ERSAR), capitalizando a experiência das estruturas tarifárias do setor, sobretudo na conciliação de interesses opostos na definição de soluções que promovam o equilíbrio entre incentivo e sustentabilidade, garantindo tarifas sustentáveis e proporcionais.
 
"Importa prever mecanismos financeiros de apoio ao investimento, à semelhança do que ocorreu para os grandes empreendimentos hidroagrícolas"
 
Para não limitar a concretização destes projetos a cenários de extrema escassez e ultrapassar as condicionantes económicas decorrentes dos custos de tratamento e transporte, importa prever mecanismos financeiros de apoio ao investimento, à semelhança do que ocorreu para os grandes empreendimentos hidroagrícolas.
 
"Devem ser equacionados incentivos indiretos, como a taxação da utilização das origens naturais para usos em que a reutilização é possível"
 
Em paralelo, devem ser equacionados incentivos indiretos, como a taxação da utilização das origens naturais para usos em que a reutilização é possível, a criação de instrumentos económicos de valorização da água que internalizem o valor da sustentabilidade dos recursos hídricos, bem como a limitação dos volumes a captar em zonas de escassez.
 
Na lógica de economia circular, não pode ser negligenciada a vantagem técnica e económica que a presença de nutrientes na ApR pode constituir para alguns usos. Por fim, é essencial uma estratégia de comunicação assertiva para sensibilização dos principais stakeholders, permitindo operacionalizar soluções que alterem o status quo, bem como o envolvimento da opinião pública, através de ações de sensibilização e divulgação que permitam derrubar preconceitos e promover uma educação para a eficiência hídrica, sustentabilidade no uso dos recursos e economia circular.
 
 
Sara Antunes - Diretora da Direção de Engenharia e Operação da AdP VALOR
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