
Uma nota musical no setor dos resíduos
Antes do tradicional período de férias é normal efetuarmos um balanço dos assuntos pendentes e preparar o regresso.
Assim, na minha reflexão, recordo a canção: «Pergunto ao vento que passa / Notícias do meu país / E o vento cala a desgraça / O vento nada me diz…». E de facto, em sentido metafórico, parece-me traduzir o atual estado do setor dos resíduos urbanos. Senão vejamos.
Atualmente, encontra-se por resolver um conjunto de problemas que afetam a estabilidade e o regular funcionamento do serviço público essencial de gestão de resíduos urbanos, que oportunamente os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) solicitaram que fossem objeto de tratamento por parte das entidades competentes do Ministério do Ambiente e da Ação Climática e que se arrastam sem resolução, alguns há mais de dois anos, desconhecendo-se sequer o entendimento do Governo sobre as matérias em causa. Não podendo aqui concretizar todos os assuntos saliento apenas um.
Os SGRU solicitaram um pedido de prorrogação das metas do Plano Estratégico de Resíduos Urbanos (PERSU 2020) para 2022, tendo o seguinte enquadramento:
O PERSU 2020 estabeleceu as metas nacionais, duas das quais resultam diretamente de metas comunitárias, tendo também revisto o Programa de Prevenção de Resíduos Urbanos, e integrado os objetivos de prevenção de produção de resíduos:
- Prevenção de resíduos: Redução mínima de produção de resíduos por habitante de 10% em peso, relativamente ao valor de 2012, a atingir em dezembro de 2020;
- Desvio de RUB de aterro, estipulada no artigo 5.º da Diretiva Aterros: Redução para 35% da quantidade total de RUB depositados em aterro, face aos quantitativos totais produzidos em 1995, a atingir em 2020;
- Reciclagem de RU: Aumento mínimo global para 50% em peso relativamente à preparação para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos, incluindo o papel, o cartão, o plástico, o vidro, o metal, a madeira e os resíduos urbanos biodegradáveis, a atingir em 2020.
De referir que o PERSU 2020 veio introduzir um novo mecanismo em que se optou por responsabilizar cada SGRU para o cumprimento das metas nacionais, através da fixação de três metas a cumprir individualmente pelos SGRU: i) Deposição de RUB em aterro; ii) Preparação para reutilização e reciclagem (PRR), e iii) Retomas com origem em recolha seletiva.
As duas primeiras (Deposição de RUB e PRR) visam contribuir diretamente para o cumprimento das metas nacionais. Quanto à meta de “retomas com origem em recolha seletiva” esta deve contribuir, ainda que indiretamente, para que Portugal atinja as metas de preparação para reutilização e reciclagem e de reciclagem de resíduos de embalagem.
Ora, ainda antes do final de 2020, era já previsível que no cômputo geral os SGRU dificilmente conseguissem, no seu todo, atingir as respetivas metas, aliás conforme antecipado e reconhecido na necessidade de revisitação do PERSU, com o PERSU 2020+, pelos mais variados motivos, desde a desadequação de algumas metas à instabilidade e vicissitudes várias, entre as quais a crise sanitária que se traduziu num aumento, politicamente assumido, de deposição em aterro, suspensão de algumas recolhas seletivas e até a recessão do canal HORECA que se reflete, por exemplo, nos sistemas que mais têm investido na recolha seletiva, com destaque para os projetos de recolha e valorização de biorresíduos.
Neste contexto, assim como foi concedida ao Estado Português uma prorrogação de dois anos para a monitorização das metas, conforme consta do PERSU 2020+, era de elementar justiça que também aos SGRU fossem dadas as mesmas condições, tendo em conta que foi com o PERSU 2020 que pela primeira vez foi atribuída aos SGRU a responsabilidade pelo cumprimento das metas, com pesadas penalizações pelo seu incumprimento, o que não se verifica, aliás, nos restantes Estados-Membros, em que a responsabilidade pelo cumprimento das metas é um desiderato exclusivamente nacional.
O pedido de prorrogação das metas do PERSU 2020 para 2022, feito pelos SGRU em antecipação de que dificilmente as conseguiriam atingir no seu todo pelos motivos atrás expostos, não obteve resposta.
A (não) resposta chegou este mês com a liquidação da taxa de gestão de resíduos (TGR) e da TGR – NR (não repercutível) que penaliza o incumprimento das metas. Haverá maior injustiça?! Injustiça traduzida em milhões de euros a pagar pelos SGRU, pelos Municípios e em última linha pelos Cidadãos. Acresce, recorde-se, que este mês a TGR aumenta de 11€/ton para 22€/Ton.
Mantendo a esperança e com sentido construtivo volto à música: «Dentro da própria desgraça / Há sempre alguém que semeia / Canções no vento que passa / Mesmo na noite mais triste / Em tempo de servidão / Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não».
Boas férias e, acima de tudo, haja Saúde.
Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação de Empresas Gestoras de Sistemas de Resíduos.
Docente convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente.
Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional.
Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.