Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energia Renováveis alvo de críticas
Nuno Ribeiro da Silva e Artur Trindade, ex-secretários de Estado da Energia, comentam a recém-criada Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030. É preciso desburocratizar, reconhecem, mas há críticas à pertinência da iniciativa.
O Governo de António Costa criou a Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030 (EMER 2030) para garantir o cumprimento do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), que deverá contar com até 30 funcionários a contratar, segundo Resolução do Conselho de Ministros, publicada a 26 de março.
Entre os objetivos deste novo organismo estão a consolidação “do quadro jurídico e regulamentar aplicável ao licenciamento elétrico, ambiental e municipal de projetos de energias renováveis e armazenamento” e a operacionalização do “quadro jurídico e regulamentar aplicável ao licenciamento elétrico, ambiental e municipal”, lê-se na Resolução.
O Jornal Água&Ambiente falou com Nuno Ribeiro da Silva e Artur Trindade, ex-secretários de Estado da Energia sobre a EMER 2030 e foi perceber que mais-valias comporta.
“Seria mais barato encomendar um relatório”
Para Nuno Ribeiro da Silva, professor catedrático convidado do ISEG, os “items” que constam do mandato da Estrutura de Missão “são parte dos ‘espinhos’ que dificultam e atrasam a dinâmica necessária para atingir os objetivos”. “Não são os únicos: no plano estrutural, dois temas são relevantes, a disponibilidade de redes e a reforma do próprio mercado elétrico hoje, que não remunera a geração em mercado”, afirma.
O antigo presidente da Endesa admite que “não gosta” do recurso a termos como ‘Grupos de Trabalho’, ‘Grupos Ad-Hoc’ ou ‘Estruturas de Missão’, ou seja, “estruturas paralelas” aos organismos da Administração.
“Para mais, sendo o orçamento da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a pagar, embora tendo consciência da dificuldade em contratar para a Administração, devem ser os organismos oficiais os responsáveis por estes temas”, assegura. E recorda que estamos a falar de “mais uma estrutura a montar de raiz, com mais três dezenas de pessoas, a juntar aos múltiplos organismos que partilham responsabilidades nos temas da Energia e Ambiente”.
Para o docente universitário “há o risco de sobreposição de funções” e questiona, por isso, a pertinência deste novo organismo: “é uma Estrutura de Missão que vai ‘moralizar’ e dar ‘transparência’ aos processos? A DGEG, a APA, outros organismos intervenientes da Administração Central e Local não atuam com transparência? Não vejo que possa trazer mais eficácia”. Por esta razão, Nuno Ribeiro da Silva teme “que aumente a entropia e rivalidade entre as entidades oficiais, desresponsabilizando as que detêm estas competências e têm a obrigação de trabalhar em conjunto”.
Nuno Ribeiro da Silva recorda que os problemas estão diagnosticados e que “os responsáveis bem os conhecem”. “Se se pretende mais um diagnóstico sobre o que pode melhorar, será certamente mais barato, rápido e menos conflituoso encomendar um relatório, a esfera política dar orientações e os organismos estarem mais articulados para implementarem o mandato. A Estrutura de Missão em nada acrescenta à ‘capacidade de despacho’ das entidades oficiais. Estas sim, há muito que carecem de reforço de quadros, de horas/pessoas e de serem dignificadas”, sublinha.
“A criação da EMER constata o óbvio: as coisas não estão a funcionar bem”
Por outro lado, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia, refere que a ideia de facilitar a evolução dos investimentos e dificultar as barreiras burocráticas “é positiva” e que “tem estado a ser discutida em toda a Europa”. “O que eu não consigo dizer, à luz do que conheço do despacho, é se esta Estrutura é a melhor ferramenta ou se há outras melhores para atingir o mesmo objetivo. O que sei é que (no despacho) há referências para as reformas estruturais e para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Penso que poderá ter havido a consequência de implementar este tipo de medidas no âmbito das reformas negociadas com Bruxelas, e que passa por dinamizar o investimento em renováveis, reduzindo a burocracia”, afirma.
O antigo governante não tem dúvidas de que “é importante diminuir os entraves burocráticos e dinamizar e facilitar o licenciamento”. Lembra que “há muita atividade feita ao nível dos organismos licenciadores que não deviam existir”. Todavia, considera que a criação da EMER 2030 constata o óbvio: “as coisas como estão, incluindo nos organismos existentes, não estão a funcionar bem. É preciso arranjar uma solução e melhorar o desempenho das instituições”.
Questionado sobre se há o risco de sobreposição de competências com a DGEG e/ou a APA, Artur Trindade vê a questão como uma “tentativa de corrigir um problema”. “Dizer que estas entidades já têm estas competências e que está tudo bem é negar a realidade. Todos sabemos que o nível de burocracia e o tempo que demoram estes projetos a serem operacionalizados não é compatível com os objetivos da transição energética”, alerta. Acrescenta ainda que “não é aceitável que os procedimentos de licenciamento demorem anos, tem de haver eficácia nos processos de decisão e de licenciamento”. O ex-secretário de Estado conclui, salientando que o “País tem de aproveitar esta oportunidade única de investimento que é a transição energética”.
Recorde-se que o jornal Água&Ambiente noticiou recentemente a abertura de quase 100 novas vagas para técnicos superiores na DGEG.
Além das áreas da Energia Elétrica, Sustentabilidade Energética, Planeamento Energético, Estudos Investigação e Renováveis, e Minas e Pedreiras, a DGEG recrutou também em diversos outros ramos, como Assessoria Jurídica, Geografia, Recursos Humanos, Contratação e Contabilidade Pública, Relações Internacionais no Setor da Energia e Estatística, entre outras.
A falta de Recursos Humanos na DGEG é um problema que se arrasta há muitos anos e que tem sido apontado como uma das causas para a morosidade de atuação da entidade.