Mercado elétrico tem de ser adaptado à penetração crescente de renováveis
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A reforma do mercado de eletricidade esteve em debate num evento em Lisboa, promovido pela Embaixada britânica, que juntou especialistas dos dois países.  

Mercado elétrico tem de ser adaptado à penetração crescente de renováveis

“O desenho de mercado [de eletricidade] que herdámos do século 20, maioritariamente baseado em energia de combustíveis fósseis, não é adequado ao mundo em que vivemos hoje”, salientou o professor de Política Económica da Universidade de Oxford, Sir Dieter Helm, no evento "Preços da eletricidade e o futuro da energia: um diálogo Reino Unido-Portugal", promovido pela Embaixada britânica, que se realizou no dia 2 de março, em Lisboa. A principal razão para operar esta mudança é o facto de a maioria das tecnologias de base renovável apresentarem custos marginais nulos. “Não há custos marginais no eólico ou no solar”, realçou o especialista e, “em última instância, o desenho de mercado tem de refletir a estrutura de custos da indústria”. 

A questão tornou-se ainda mais premente com a escalada do preço do gás, dado que, no atual modelo marginalista do mercado, é a última tecnologia a ser usada, em cada período, que marca o preço a que é paga a produção. “O problema do preço do gás não vai desaparecer, mas não há razão nenhuma para os consumidores pagarem custos marginais do gás pela eletricidade gerada a partir de energia solar, eólica ou nuclear”, sublinhou Dieter Helm. “Reformar o mercado é essencial”, vincou, “e tem de ser feito rapidamente”.

Outra característica das renováveis que tem de ser abordada, no contexto da transição energética em que se perspetiva uma penetração cada vez mais elevada de renováveis no sistema elétrico, é a intermitência destas tecnologias. “O eólico e o solar são, por definição, intermitentes”, notou, “e o que não foi bem pensado na Europa foi como se garante um backup, para quando o vento não sopra e o sol não brilha”. “A questão da intermitência tem de ser resolvida”, frisou.

Na sua perspetiva, a resposta a estes desafios passa por transitar de um sistema baseado em custos marginais, para outro em que “o que se compra é a capacidade e não a energia em si”. O modelo que propõe assenta em leilões de capacidade, que tenham em conta o contributo de cada tecnologia para a segurança de aprovisionamento (“equivalent firm power”). “Estes leilões já foram feitos em vários países”, salientou, mas “há enormes vantagens” em fazê-lo “a nível europeu”.

O governo britânico está, de resto, já a estudar opções para uma reforma abrangente do mercado de eletricidade, de modo a garantir que a descarbonização do sistema elétrico se faz de forma custo-eficiente e sem comprometer a segurança de abastecimento. “O Reino Unido tem como objetivo ter um sistema elétrico totalmente descarbonizado em 2035, contextualizou Dipali Raniga, assessora estratégica do governo britânico para a reforma em curso, durante o painel de debate que se seguiu, “e sabemos que ter um mercado eficaz será uma componente importante para que isto aconteça”. Uma primeira consulta pública sobre o tema foi já realizada entre julho e outubro de 2022, e aborda questões como o funcionamento do mercado grossista, a instalação de elevada geração elétrica com baixas emissões de carbono, bem como a flexibilidade, operabilidade e adequação de capacidade do sistema, elencou. “Estamos a considerar todas as opções”, explicou, desde “mudanças graduais” a “transformações” mais significativas do mercado.      

Para o Diretor da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, que também marcou presença no debate, a discussão não deve passar por opor um modelo de mercado baseado no preço marginal (pay as clear) a outro que se baseie no preço das ofertas de cada participante no mercado (pay as bid). Na perspetiva de Eduardo Teixeira, a questão passa antes por saber se o sistema elétrico se deve basear num modelo apenas assente no mercado de energia. “Devemos evoluir para uma situação em que temos várias camadas, com diferentes mercados para coisas diferentes”, defendeu. Questões como a flexibilidade, o investimento, a segurança de abastecimento “não são resolvidas por um mercado de curto prazo, como o que temos hoje”, justificou, mas, ao mesmo tempo, “precisamos desses mercados de curto prazo para despachar, de forma eficiente, os recursos que temos no sistema”.        

Questionado por Paulo Preto dos Santos, Diretor-Geral da Douro Gás Renováveis, que moderou o debate, se a melhor solução passava por ter um mercado marginalista complementado por um mercado de capacidade, o consultor António Vidigal reiterou que era tempo de mudar. “Não devemos ter receio da mudança, devemos introduzir um mercado de capacidade”, frisou. “É difícil mudar”, reconheceu, porque o atual sistema “funcionou bem durante 20 anos”, mas “as condições agora são diferentes”, dada a crescente incorporação no sistema de tecnologias de produção “sem custos marginais”. No entanto, António Vidigal não subscreve o modelo de leilão proposto por Dieter Helm, que implica a aplicação de um fator de redução (de-rating factor) à capacidade proposta, para a ajustar ao risco de as tecnologias não estarem total ou parcialmente disponíveis para dar resposta em períodos de pressão sobre o sistema. “Se usarmos esse fator, penso que as renováveis não são viáveis”, avisa.

“Eu não gosto de usar a palavra intermitência”, afirmou, por seu lado, Pedro Amaral Jorge, Presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis, mas reconheceu que existe uma “variabilidade” na produção renovável que tem de ser abordada, o que pode ser feito através de soluções de “armazenamento” e de “flexibilidade” do sistema. Quanto ao mercado, o que defende é que haja “contratos de longo termo para mitigar o risco de curto prazo”. No entanto, também “precisamos de um mercado grossista para termos um sinal de como o preço vai evoluir”, realçou.     

Já Sofia Tenreiro, Partner da Delloite, salientou a necessidade de “previsibilidade”, mesmo num contexto de mudança necessária. “Temos de nos preparar para o futuro”, disse. Por outro lado, lembrou, “temos de garantir que o desenho [do mercado] é bem pensado” e tem em linha de conta o seu impacto abrangente em “várias indústrias e stakeholders”. “Temos de fazer isso para assegurar que a indústria se mantém competitiva na Europa”, vincou.

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