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ambiente
Autarquias esquivam-se ao pagamento da TRH
A taxa dos recursos hídricos (TRH)
é ainda uma fatia recente no “bolo” da fiscalidade ambiental em Portugal,
associada ao problema da escassez da água. Talvez por isso a sua aplicação não
esteja a ser pacífica.
A TRH, que surge no Decreto-Lei
nº. 97/2008, de 11 de Junho, que se
seguiu à publicação da Lei Quadro da Água (Decreto-Lei nº. 58/2005), documento
que transpõe para o direito nacional a Directiva Quadro da Água, assenta num
«princípio de equivalência», segundo o qual o utilizador dos recursos hídricos
deve contribuir na medida do custo que causa à comunidade ou na medida do
benefício que esta lhe proporciona. Mas esta ideia, baseada no conceito de
utilizador-pagador, não está a ser bem aceite pelos municípios, que se recusam
a pagar uma taxa que consideram «inoportuna» e «ferida de
inconstitucionalidade», como afirmou já publicamente Fernando Ruas, presidente
da Associação Nacional de Municípios (ANMP).
Contactado pelo AmbienteOnline,
o vice-presidente da ANMP, Fernando Campos, disse não ter presente quantas
autarquias não estarão a pagar a TRH às Administrações de Região Hidrográfica
(ARH), responsáveis por emitir a nota de liquidação da taxa. Ainda assim, o
autarca acredita que «muitas não devem ter pago» a mesma, depois da ANMP ter
apelado ao não pagamento da taxa. Esta é devida pelas utilizações nela
previstas que tenham sido realizadas a partir de 1 de Julho do ano passado, sendo que para títulos de utilização iguais ou superiores a
um ano o pagamento deve ser feito até ao fim do mês de Fevereiro do ano
seguinte àquele que a taxa respeite.
Salvo nos casos de isenção técnica
(valores inferiores a 10 euros) e outras isenções previstas na lei, «o não
acatamento do dispositivo implica incumprimento da lei», indica Mário Melo
Rocha, responsável do Departamento de Direito do Ambiente da SRS – Sociedade
Rebelo de Sousa. Nesses casos, a legislação prevê que se aplique «o
genericamente disposto no regime geral das infracções tributárias», sendo que o
montante que resulta da aplicação das coimas reverte em 60 por cento para o
Estado e em 40 por cento para a ARH competente.
TRH inconstitucional?
Perante a polémica gerada pela
ANMP, com base num parecer do constitucionalista Gomes Canotilho (que não se
refere especificamente à TRH, mas alegadamente põe em causa a
constitucionalidade de taxas desse género), o AmbienteOnline tentou
esclarecer esta questão.
A avaliação da constitucionalidade
da TRH pressupõe, de acordo com Manuel da Silva Gomes e Luís Nazareth, da
equipa de Direito do Ambiente da sociedade de advogados PLMJ, uma análise
prévia à natureza jurídica da mesma. «Trata-se de uma “taxa” ou antes de uma
outra figura contributiva, de um imposto ou de uma contribuição especial?»,
questionam os advogados. O ónus da questão reside na existência ou não de uma
contrapartida directa, específica e individualizável, e ainda na equivalência
entre o preço a pagar e a contraprestação.
Se não for considerada uma taxa, a
TRH poderá assentar numa «inconstitucionalidade orgânica formal», por violação
do princípio de reserva relativa da Assembleia da República, segundo o qual
apenas esta pode legislar, ou dar autorização ao Governo para o fazer, explicam
os especialistas em Direito do Ambiente.
Se, pelo contrário, for entendida
como taxa, poderá usar-se a tese da «inconstitucionalidade por omissão, na
medida em que ainda não foi legislado o “regime geral das taxas e demais
contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, previsto na
Constituição da República Portuguesa», esclarecem. Este é, porém, um argumento
«mais difícil de defender», ressalvam.
Por seu turno, José Eduardo
Martins, jurista na área do Ambiente, advoga que a TRH não é inconstitucional,
dado que «a recepção do normativo comunitário no direito interno respeitou
todos os ditames e resguardos exigidos pela Constituição da República
Portuguesa».
Para além disso, explica, «ao
cobrar um preço pela utilização do nobre recurso (escasso e finito) “água” o
legislador fá-lo, apenas e só, em nome e com vista a poder proporcionar ao
Estado os meios (financeiros) indispensáveis ao funcionamento de todo o sistema
para a protecção do recurso». Assim aplicada, a TRH será também «um meio eficaz
para levar os consumidores à poupança e à racionalização dos seus consumos».
Quem paga a factura?
O Ministério do Ambiente
defende-se dizendo que «a TRH não é uma nova taxa», uma vez que «no ordenamento
jurídico português já existiam há largas décadas várias componentes desta taxa»,
às quais a legislação de Junho de 2008 veio apenas dar «coerência global e
conformidade com as exigências da DQA».
No entanto, a explicação do
Governo parece não convencer os municípios, que se queixam de um aumento da
factura paga no ano passado pelas autarquias, que Fernando Ruas garante ser, em
alguns casos, dez vezes superior ao que era pago, com reflexo na factura dos
consumidores. Sérgio Vasques, docente da Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa, explica, porém, que «o impacte junto do cidadão comum é quase
imperceptível».
A taxa incide sobre o volume de
água usado, a área ocupada de água do domínio público hídrico do Estado, a
criação de planos de água do mesmo domínio, a carga contida nas águas residuais
descarregadas nos meios hídricos e a quantidade extraída dos inertes do domínio
público.
Assim, a TRH não visa os pequenos
utilizadores, mas sim os que usam o recurso de forma mais intensiva,
nomeadamente a indústria. Este é, na opinião de Mário Melo Rocha, um aspecto
positivo, uma vez que «deve ser tratado desigualmente o que é desigual», tanto
mais que os utilizadores intensivos da água são os que «provocam maior desgaste
ambiental».