Colunista Graça Martinho (Resíduos-Tendências): Resíduos: nós e os outros

Colunista Graça Martinho (Resíduos-Tendências): Resíduos: nós e os outros

No final deste mês o Eurostat (1) publicou as estatísticas de resíduos urbanos (RU) produzidos na União Europeia (UE) em 2014. Estes dados que permitem fazer benchmarking, saber onde nos encontramos face aos nossos parceiros europeus e a que distância estamos das metas europeias de reciclagem e desvio de aterro. Em 2014, em média, cada cidadão europeu produziu 475 kg/ano de RU; 28% foram reciclados, 16% compostados, 27% incinerados e 28% depositados em aterro; a percentagem de RU reciclados e compostados aumentou de 17% em 1995 para 44% em 2014. Os mesmos indicadores para Portugal são: 453 kg/hab.ano; 16% reciclados, 14% compostados, 21% incinerados e 49% depositados em aterro; a reciclagem mais compostagem aumentou de 4% (em 1995) para 30% (em 2014). No top de desvio de RU, com menos de 5% de RU depositados em aterros, destacam-se a Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Áustria e Suécia, países que estamos habituados a ver no pelotão da frente em matéria de gestão de RU.

Pela análise da evolução da capitação de RU na UE verifica-se que desde 2007 se mantém a tendência de decréscimo, o valor de 2014 representa uma diminuição de 10% face ao pico registado em 2002, aproximando-se do valor de 1995, ou seja, a variação da capitação entre 1995 e 2014 é próxima dos 0%. Já no caso de Portugal, entre 1995 e 2014, registou-se um aumento de 29% da capitação, contudo, e face ao pico de 2009 (cerca de 549 kg/hab) o decréscimo foi de 14%.

Curiosamente, um outro relatório (2) recente, baseado num estudo encomendado pela Comissão Europeia à BiPRO e Copenhagen Resource Institute (CRI), sobre a avaliação dos sistemas de recolha seletiva das 28 capitais da UE, veio revelar que afinal as cidades exemplares não são nenhuma das capitais dos países indicados em cima, mas sim as capitais da Eslovénia (Liubliana) e da Estónia (Tallinn), que em 2014 conseguiram taxas de recolha seletiva de 55,4% e 47,2%, respetivamente, enquanto que Lisboa aparece com 11,5% (20ª posição). De salientar que enquanto a Eslovénia não tem incineração (0%) a Estónia tem (56% dos RU têm como destino a incineração), o que nos faz repensar sobre o mito de que a incineração é inimiga da reciclagem.

No caso específico de Liubliana os fatores chave para o sucesso foram: a introdução de sistemas de recolha porta-a-porta, sendo que o maior contributo para o forte aumento da taxa de reciclagem foi devido à recolha porta-a-porta de resíduos urbanos biodegradáveis (RUB); a implementação de um sistema PAYT; a adoção pela SNAGA (empresa pública que gere os RU) de uma boa estratégia de comunicação e de cooperação com outros stakeholders (e.g. media, ONG locais). Liubliana conseguiu, em 10 anos, aumentar a quantidade de RU recuperados de 16 kg/hab em 2004 para 145 kg/hab em 2014, diminuir em 59% a quantidade de RU depositados em aterro e reduzir em 15% a produção total de RU. Foi por isto distinguida este ano com o título de Capital Verde da Europa, sendo a única, do grupo das 5 cidades finalistas, sem incineração. Apesar dos modelos de gestão serem totalmente diferentes nestas duas cidades, conseguem obter resultados de sucesso, o que nos leva novamente a repensar que não existe um modelo único e ideal para a gestão dos RU, tudo depende da forma como as várias peças engrenam umas nas outras para atingir os objetivos finais.

Por se tratar de um relatório com bastante informação prática para os nossos municípios recomendo vivamente a sua leitura, e destaco, como conclusões sobre os fatores identificados como fundamentais para o sucesso da gestão dos RU:

- Países que introduziram a recolha seletiva obrigatória para vários fluxos de RU são os que apresentam níveis mais altos de reciclagem; as TMB podem contribuir para os objetivos do desvio de RUB de aterros, mas não são por si só suficientes para atingir o objetivo de 50% de reciclagem até 2020;

- É fundamental não só estender a infraestrutura técnica a vários fluxos de resíduos, bem como informar e motivar os utilizadores dos sistemas de recolha;

- A quantidade e qualidade dos materiais recicláveis aumentam quando os municípios introduzem sistemas de recolha porta-a-porta, incluído a recolha seletiva de RUB; os custos de recolha são mais elevados mas são compensados com o aumento das receitas dos materiais retomados e a redução dos custos de tratamento e deposição em aterro; com estratégias comunicacionais adequadas consegue-se aumentar a deposição nos ecopontos, no entanto, e à exceção do vidro, isto resulta num aumento de contaminantes;

- Implementação de sistemas tarifários tipo PAYT para a recolha de resíduos indiferenciados é um dos principais fatores de sucesso para a recolha seletiva;

As diferenças entre nós e os outros levam-nos ceticamente a considerar que 2020 é uma data perdida. Mas se Liubliana conseguiu ultrapassar todas as outras cidades num período de tempo tão curto, porque não conseguiremos nós fazer o mesmo?

 (1) http://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/7214320/8-22032016-AP-EN.pdf/eea3c8df-ce89-41e0-a958-5cc7290825c3

(2)  http://ec.europa.eu/environment/waste/studies/pdf/Separate%20collection_Final%20Report.pdf

Graça Martinho é doutorada em Engenharia do Ambiente, especialidade sistemas sociais, exerce as funções de subdiretora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e a docência de disciplinas de gestão de resíduos. É membro da Comissão de Acompanhamento para a Gestão dos Resíduos da APA, do Conselho Consultivo da ERSAR, do Conselho de Ambiente e Sustentabilidade da EDP e da Comissão Consultiva de I&D da SPV. Tem vários artigos científicos e livros publicados na temática da gestão de resíduos. A autora escreve, por opção, ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

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