
Colunista João Joanaz de Melo (Energia-Tendências): Energia renovável versus novas barragens
Tem vindo a gerar algum debate a anunciada intenção do Governo Português em apostar nas energias renováveis. Esta é de resto uma intenção alegada por todos os governos desde há uma década, embora com resultados pouco brilhantes. O único programa que teve sucesso significativo foi o da fileira eólica, que representa hoje mais de 20% da electroprodução em Portugal, a custos competitivos. Outros programas “bandeira”, como os biocombustíveis, a electroprodução com biomassa, a rede para carregar carros eléctricos, o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH), traduziram-se em verdadeiros fiascos, pelo fraco desempenho custo-eficácia e/ou pelos conflitos provocados.
A intenção de relançar o investimento em renováveis deve ser vista no contexto internacional: o acordo alcançado em 2015 na COP Paris no âmbito da Convenção da ONU sobre as Alterações Climáticas; o pacote energia-clima aprovado pelo Conselho Europeu em 2014; a opinião dominante entre os analistas económicos internacionais de que as energias renováveis, especialmente a solar e em menor grau a eólica e a biomassa, são as apostas com futuro no sector energético. Paralelamente, ganha cada vez mais expressão a eficiência energética. O sub-sector da energia fóssil, embora ainda muito poderoso e influente, entrou claramente em decadência. Os motivos destas tendências são diversos: ambientais, devido às alterações climáticas e outros impactes negativos do sector energético; económicos, com a crescente competitividade das novas tecnologias energéticas, seja do lado da eficiência dos equipamentos, produção renovável ou novo paradigma “prosumer”; e geoestratégicos, relacionados com a independência e a segurança do abastecimento.
Parecem portanto estar criadas condições não apenas filosóficas, mas também económicas e institucionais, para uma aposta a sério na eficiência energética e nas energias renováveis, substituindo progressivamente as energias fósseis. A incógnita é se haverá a competência e a coragem para apostar em projectos com boa relação custo-eficácia e que beneficiem o interesse público, em vez de embarcar em quimeras que apenas servem um ou outro lobby.
Neste cenário, qual é o papel do Programa Nacional de Barragens? É simples: nenhum!
Primeiro, porque é totalmente inútil para os objectivos que deveria cumprir (já ultrapassámos a meta dos 7000 MW de potência hidroeléctrica instalada; e os 2400 MW de bombagem, muito além dos 2000 MW requeridos); segundo, porque tem impactes ambientais e sociais muito negativos, não fazendo sentido sequer catalogar esta forma de energia como “renovável”; terceiro, porque tem uma péssima relação custo-eficácia, com custos por kWh dez vezes maiores que as alternativas disponíveis — se for avante, implicará um aumento da factura eléctrica na ordem dos 8%, sem qualquer benefício para o País ou os consumidores. Mas para as empresas eléctricas o único argumento com peso será o financeiro. Ora, os subsídios às novas barragens estão sob ameaça (no caso de Fridão já foi retirado), e o negócio da bombagem está em queda (em 2014 a rentabilidade operacional da bombagem hidroeléctrica foi nula, e tende a piorar com o excesso de capacidade, a abertura do mercado eléctrico à Europa, a mobilidade eléctrica e a armazenagem doméstica). Investir em novas barragens na mira dos subsídios e da bombagem tornou-se um suicídio financeiro.
Em boa hora o PEV obrigou o actual Governo a inscrever no seu programa a reavaliação do PNBEPH. Para além dos argumentos já conhecidos, há três questões que o Governo terá de esclarecer: (i) para quando o fim dos subsídios perversos? (ii) quais os impactes cumulativos das novas barragens, sobre a qualidade da água, o eco-turismo, os ecossistemas e a erosão costeira? (iii) qual o custo real para os cidadãos, consumidores-contribuintes, de permitir o avanço destes projectos? (certamente muito maior que pará-los)
Novas tecnologias energéticas precisam-se. Haja o discernimento e a coragem para tomar as decisões que o conhecimento técnico há muito recomenda.
João Joanaz de Melo é licenciado e doutorado em Engenharia do Ambiente e professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Amante da Natureza, activista nas horas vagas, foi fundador e presidente do GEOTA.