
Colunista Nuno Campilho (Água e Resíduos - Regulação): Quem somos... para onde vamos?
Água Sagrada?
A seca, na Califórnia, inspirou a cidade de Los Angeles
a lançar um programa piloto de disponibilização, gratuita,
de água residual tratada, aos seus residentes,
para utilização em suas casas.
in Monocle
Portugal, diz-se, é dos países, do mundo, com um maior volume de legislação. Tudo é regulamentado. Até há quem diga que se fazem leis “a metro”. É assim como uma espécie de democracia musculada. Tudo aquilo que pode ficar ao livre arbítrio de cada um (individual, ou coletivamente), rapidamente é regulamentado. A maior parte das vezes – e para me focar só no setor da água e dos resíduos, que é para isso que escrevo e que me leem – essa regulamentação visa criar a possibilidade de cobrar algo, ou alguma coisa. Veja-se o caso (ainda em discussão), do Regulamento de Tarifário, da Taxa de Recursos Hídricos, o fim da Tarifa de Aluguer do Contador, da criação das Quotas de Disponibilidade, da Taxa de Controlo de Qualidade da Água e por aí adiante.
Curiosamente – ou talvez não – aquilo que podia ser regulado, não o é e, então, vão-se acumulando os défices pelas entidades gestoras, por esse país fora. Quero, com isto, dizer, que a gestão devia ser regulamentada? Deus me livre, claro que não! Mas um empurrãozinho vinha a calhar...
Num imparável caminho para a massificação da automação e do novo paradigma no mercado de trabalho e na vida em sociedade que isso vai provocar, onde é que está, publicamente, assumida, uma posição, do regulador (ou da tutela), sobre a telemetria? E sobre a gestão remota das redes, através da manobra de válvulas redutoras e/ou de indução de pressão e de corte? E sobre a instalação de chips nos contentores de RSU para otimizar as rotas? E sobre a instalação de sistemas de pesagem, para tornar mais justa a taxa cobrada de recolha, transporte e tratamento de RSU?
Na expetativa da escassez do recurso água, que pode vir a ser uma realidade, a médio-longo prazo, por via do incremento dos períodos de seca e da (de)pressão hídrica, sobretudo no Alentejo e no Algarve (e, este ano, também, de forma inesperadamente evidente, na zona Oeste), quando é que a água residual tratada se torna mais barata de produzir que a água para consumo humano?
Considerando a vertiginosa evolução tecnológica e a proliferação de servidores residentes na cloud, em regime de open source, durante quanto mais tempo é que as entidades gestoras vão estar reféns de ERP, SAP, USB, BSC, SGC, BI, BD, que custam um dinheirão, só, a licenciar, e outro tanto a manter e a atualizar?
E os incentivos à redução da fatura energética, e à mitigação da pegada de carbono? Num mundo (fazemos parte dele, certo?) em que a Sustentabilidade passou a fazer parte do top five das palavras do ano, porque é que os SIMAS de Oeiras e Amadora, a par do grupo Águas de Portugal, das Águas do Porto, da Lipor, da Veolia (que, ainda assim, abandonou a gestão direta do negócio água) são as únicas entidades gestoras membros do BCSD Portugal - Business Council for Sustainable Development?
E onde – e como – é que as entidades gestoras vão recolher a receita para fazer face à gestão da rede pluvial, que os municípios estão a delegar nas entidades gestoras, tão depressa, como se estivessem a remover um tumor e sem qualquer estudo de impacto económico (custo x benefício, no aumento da qualidade de serviço) , financeiro (impacto nas contas, pela inexistência de uma tarifa que “penalize” o utilizador – convém, se calhar, primeiro, defini-lo –) e de gestão e otimização da rede (esta é para os puristas...)?
Os puristas da gestão (e, quiçá, da liberdade), ainda me vão acusar de ser “mais papista do que o Papa”, mas só alguém mal-intencionado é que não concordará que, só decretando, é que teremos um regulamento tarifário que todos cumpram (não é ERSAR?); que só baixando os custos de produção de água residual tratada – ou aumentando o preço da água para consumo humano – é que se aumentará a sua utilização, com comprovados benefícios para o ambiente e para o aliviar da pressão sobre os nossos balanços hídricos (não é, Eng.º Saldanha Matos?); que só criando uma tarifa integrada para a drenagem de água, é que podemos equilibrar as nossas contas, para continuar a contribuir, decisiva e ativamente, para a consolidação da qualidade de vida das populações que servimos (não é, Senhor Secretário de Estado do Ambiente?); e que só fazendo diferente, podemos igualar outros, que se diferenciam, há mais tempo que nós e com excelentes resultados. Citando um renomado cantor português, natural do Porto, “vamos fazer, o que ainda não foi feito”, Senhor Ministro?
Nuno Campilho é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada e Pós-graduado em Comunicação e Marketing Político e em Ciência Política e Relações Internacionais. Possui ainda o Executive MBA do IESE/AESE. Foi presidente da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias e consultor especializado em modelos de gestão de serviços públicos de água e saneamento. Foi administrador dos SMAS de Oeiras e Amadora e chefe de gabinete do Ministro do Ambiente Isaltino Morais. Exerceu ainda funções de vogal do Conselho de Gerência da Habitágua, E.M.. É membro do Grupo de Trabalho Inovação da APDA e Diretor Delegado dos SIMAS de Oeiras e Amadora.