
Colunista Susana Rodrigues (Resíduos - Recolha): Alterações climáticas e recolha de resíduos
A recolha, transferência e transporte de resíduos são actividades básicas dos sistemas de gestão de resíduos em todo o mundo. Estas atividades, que permitem a remoção dos resíduos do local de produção para o de tratamento, usam energia e combustíveis, principalmente de origem fóssil.
A utilização de viaturas a diesel nas frotas de recolha de resíduos urbanos é o ónus ambiental mais importante deste serviço devido à emissão dos gases de escape do processo de combustão.
No dia em que este artigo é publicado quase 150 líderes mundiais discutem sobre as medidas necessárias à minimização destes poluentes na origem das alterações climáticas, na Cimeira do Clima da ONU, em Paris.
O transporte urbano representa uma percentagem muito importante do sector dos transportes, influenciando quer os parâmetros de qualidade do ar (CO, HC, NOx, PM) e a poluição local, quer as alterações climáticas (emissões de CO2). No transporte urbano incluem-se as viaturas de recolha de resíduos urbanos (RU), que variam de viaturas de caixa aberta velhas e mal conservadas para veículos de recolha com compactação dos resíduos modernos e altamente especializados. O impacto ambiental não depende assim apenas da quantidade de gasóleo utilizado, mas também das caracteristicas das viaturas e consequentemente dos gases de escape, regulado por normas de emissão.
O tema das emissões de gases com efeito estufa (GEE) do serviço de recolha é recorrente, especialmente quando se confrontam os ganhos ambientais provenientes da reciclagem com o impacto ambiental negativo decorrente das emissões da recolha dos recicláveis. É um tema polémico, uma vez que confronta um dos pilares das políticas europeias de resíduos, de incentivo à recolha selectiva na origem para cumprimento de exigentes metas de recilagem. As emissões de GEE associadas a este serviço têm sido avaliadas pela comunidade científica, quantificando o seu impacto em termos de poluição do ar e consumos energéticos associados. Mas muito se pode fazer para o minimizar.
Uma medida que melhora a performance energética e ambiental da recolha de RU é a utilização de combustíveis alternativos, como o biodiesel e o gás natural. Felizmente, em Portugal existem já bons exemplos da utilização deste tipo de tecnologia em frotas municipais de recolha de resíduos, como Lisboa, que utiliza há já alguns anos em parte da sua frota viaturas a gás natural. Claro que não se pode falar em modernização de uma frota municipal sem falar nos contrangimentos dos orçamentos municipais...
Outra medida, que envolve menos ou mesmo nenhum investimento (dependendo dos meios de monitorização e gestão de informação disponíveis no serviços), é a optimização dos circuitos de recolha. Esta medida mostra-se muito eficaz, uma vez que a redução de por exemplo 10% na distância percorrida num circuito traz ganhos consideráveis das emissões ao fim de um ano de funcionamento, se considerarmos que este circuito, no limite, é repetido seis vezes por semana. Com algum investimento adicional esta optimização pode ser potenciada pela utilização de sistemas de monitorização das taxas de enchimento dos contentores e de tecnologias de monitorização do serviço em tempo real já disponíveis no mercado a um custo acessível.
Com a Cimeira do Clima da ONU, que deverá atrair cerca de 50.000 participantes até dia 11 de Dezembro, espera-se um resultado histórico: pela primeira vez em mais de 20 anos de negociações das Nações Unidas, espera-se alcançar um acordo juridicamente vinculativo e universal sobre o clima, para manter o aquecimento global abaixo dos 2 ° C até 2100. Para alcançar este objectivo, especialistas em clima estimam que as emissões de gases com efeito estufa (GEE) precisam ser reduzidas em 40-70% até 2050 e que a neutralidade de carbono (emissões zero) deve ser alcançado, o mais tardar, até o final do século.
Como referi, o sector dos transportes e a recolha de resíduos em particular poderá ter um papel, quer pela monitorização e minimização das emissões através da utilização de biocombustíveis e/ou tecnologias mais limpas, quer pela optimização de circuitos. Mas o maior desafio é avaliar a eficácia destas medidas em termos económicos: importa avaliar o peso que a alteração do combustível ou a modernização da frota tem num município. É aqui que o POSEUR poderá ter um papel decisivo, se os municípios forem capazes de enquadrar os investimentos necessários em candidaturas elegíveis.
Provocação do mês
As emissões de CO2 são um bom indicador de desempenho ambiental das autarquias, cuja medição é obrigatória no âmbito da regulação pela ERSAR, mas apenas para a recolha indiferenciada, pelo que deveria ser alargado à recolha selectiva. Os municípios não devem limitar-se ao seu cálculo. Devem dar o próximo passo e tomar medidas sobre as variáveis que minimizam as emissões de GEE, como a idade dos veículos e combustível utilizado, o cumprimento das normas Euro de emissões padrão e a organização dos circuitos de recolha.
Susana Sá e Melo Rodrigues é licenciada em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico (IST/UTL) e tem uma pós-graduação em Gestão Integrada e Valorização de Resíduos da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNL), onde está a desenvolver o seu doutoramento em Ambiente. Iniciou a sua actividade profissional no Instituto da Água, onde foi membro da Comissão de Acompanhamento da Directiva-Quadro da Água. Foi consultora na área de projecto e de fiscalização ambiental de empreitadas na FBO - Consultores, S.A. (DHV international consultancy and engineering group), e de 2004 a 2014 trabalhou na HPEM - empresa municipal de Sintra responsável pela recolha de resíduos urbanos e limpeza pública, como Gestora do Departamento de Planeamento, e posteriormente nos SMAS de Sintra. Esteve até Setembro de 2015 na ECOAmbiente, S.A., como Directora do Departamento Técnico e Comercial. É membro do grupo de investigadores da FCT/UNL, Waste@Nova e do MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. A autora não segue, por opção, o novo acordo ortográfico.