
Colunista Susana Rodrigues (Resíduos - Recolha): Revisão em baixa das metas de reciclagem
No início do mês passado, a Comissão Europeia adoptou o novo pacote da economia circular com uma série de alterações em relação a seu antecessor. De acordo com o Primeiro Vice-Presidente, Frans Timmermans, este pacote estabelece uma via credível e ambiciosa para uma melhor gestão dos resíduos na Europa, com medidas de apoio que cobrem todo o ciclo de produção (…). Esta combinação de legislação inteligente e incentivos a nível da UE ajudará as empresas e os consumidores, bem como as autoridades nacionais e locais, a operarem esta transformação.
Importa salientar que esta “transformação” será financeiramente apoiada por 650 milhões de euros do Horizonte 2020, por 5,5 mil milhões de euros de fundos estruturais para a gestão dos resíduos e por investimentos na economia circular a nível nacional.
Nesta nova proposta legislativa, as metas de reciclagem surgem enfraquecidas em relação à proposta de revisão adoptada a 2 de julho de 2014, que revia a Directiva-Quadro Resíduos (2008/98/CE), a Directiva Aterros (1999/31/CE) e a Directiva de embalagens e resíduos de embalagens (Directiva 94/62/CE), e que apresentava, entre outras novidades, uma meta de 70% para a reciclagem e preparação para reutilização dos resíduos urbanos e de 80% dos resíduos de embalagem até 2030, bem como a proibição da deposição de resíduos recicláveis em aterros a partir de 2025.
Este novo pacote apresenta agora um objectivo de reciclagem de 65% para os resíduos urbanos em 2030, 5% abaixo da meta proposta inicialmente. Apresenta também como objectivo reciclar 75 % dos resíduos de embalagens até 2030, também abaixo dos 80% inicialmente propostos, e um objetivo de redução da deposição em aterro a um máximo de 10 % de todos os resíduos até 2030.
Finalmente prevê a proibição de depositar em aterro resíduos submetidos a recolha seletiva, um objectivo que se mantém assim inalterado da proposta original. De salientar a ausência de meta para a recolha selectiva de orgânicos, que apenas deve ser assegurada se “técnica, económica e ambientamente viável”, uma indicação fraca e que dá um sinal claro de desincentivo.
Confrontando este pacote com as metas do PERSU 2020, onde se prevê a reciclagem de 70% em peso dos resíduos de embalagens até 2020, o objectivo fica claramente abaixo. A nível da recolha de resíduos, destaco a importância das medidas previstas no PERSU para aumentar e melhorar a rede de recolha selectiva, em particular as duas medidas cuja implementação é da exclusiva responsabilidade dos sistemas e municípios, nomeadamente “optimizar e alargar, quando justificável para a eficácia do serviço, as redes de recolha seletiva” (aqui ressalvo que a avaliação de “eficácia do serviço” é sempre ambígua e difícil – por ser um serviço público e de enorme complexidade) e “desenvolver ações específicas para o reforço da recolha seletiva nos sectores de comércio e serviços, em especial no canal HORECA”.
Proibir a deposição em aterro de recicláveis faz sentido económica e ambientalmente. A recolha selectiva surge assim inevitavelmente como uma medida de primeira linha para manter materiais e energia o máximo possível na cadeia de valor dos produtos. Precisamos no entanto de garantir que a infra-estrutura implementada pelas autoridades locais é a necessária e adequada, quer do ponto de vista tecnológico, quer financeiro. É por isso que o envolvimento da comunidade académica com os gestores e técnicos dos sistemas de gestão no desenvolvimento de projectos inovadores e elegíveis aos fundos de apoio é tão importante.
Provocação do mês
Não basta este enquadramento legal. A penalização financeira é uma ferramenta essencial, por via da TGR ou outra. Enquanto a deposição em aterro continuar a ser a opção mais barata de gestão de resíduos, enquanto os municípios não tiverem um incentivo financeiro efectivo para melhorar a “eficácia” do serviço e aumentar a recolha selectiva (sem aumentar os custos), as metas do PERSU 2020 e do novo pacote de economia circular ficarão no papel.
Susana Sá e Melo Rodrigues é licenciada em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico (IST/UTL) e tem uma pós-graduação em Gestão Integrada e Valorização de Resíduos da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNL), onde está a desenvolver o seu doutoramento em Ambiente. Iniciou a sua actividade profissional no Instituto da Água, onde foi membro da Comissão de Acompanhamento da Directiva-Quadro da Água. Foi consultora na área de projecto e de fiscalização ambiental de empreitadas na FBO - Consultores, S.A. (DHV international consultancy and engineering group), e de 2004 a 2014 trabalhou na HPEM - empresa municipal de Sintra responsável pela recolha de resíduos urbanos e limpeza pública, como Gestora do Departamento de Planeamento e posteriormente nos SMAS de Sintra. Esteve até Setembro de 2015 na ECOAmbiente, S.A., como Directora do Departamento Técnico e Comercial. É membro do grupo de investigadores da FCT/UNL, Waste@Nova e do MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. A autora não segue, por opção, o novo acordo ortográfico.