Combustíveis renováveis são essenciais, mas insuficientes para cumprir metas de emissões até 2030
No contexto das preocupações crescentes com as emissões de gases com efeito de estufa, a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável alertou recentemente para a necessidade urgente de reduzir o consumo de combustíveis rodoviários em cerca de 5,3% ao ano até 2030, de forma a cumprir os objetivos climáticos. Segundo a associação ambientalista, os dados mais recentes da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) revelam que as emissões devidas ao consumo de combustíveis rodoviários entre julho de 2023 e julho de 2024 registaram uma redução de apenas 1,8%, valor insuficiente face às metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030), que requerem cortes anuais significativos nas emissões do setor dos transportes, que continua a representar mais de 30% das emissões totais.
Face a este cenário, surge a questão: será que os combustíveis renováveis serão a chave para este problema?
Nuno Lapa, Professor Auxiliar da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências e Tecnologia (NOVA FCT), Investigador integrado no Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE) e Representante da NOVA FCT na Plataforma para os Combustíveis de Baixo Carbono (PCBC), afirmou ao Água&Ambiente Online que os combustíveis renováveis, como o hidrogénio verde e os biocombustíveis avançados, são fundamentais para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, especialmente no setor dos transportes. Contudo, alerta que a transição para estas soluções está aquém do necessário para cumprir as metas climáticas até 2030.
Os combustíveis renováveis apresentam um grande potencial para mitigar as emissões de dióxido de carbono de origem fóssil. No entanto, segundo Nuno Lapa, o caminho ainda é longo: “Muitas das tecnologias de produção destes combustíveis de baixo carbono estão em fases iniciais de desenvolvimento, embora algumas já comecem a entrar no mercado. Outras ainda necessitam de progressos significativos.”
Para além das barreiras tecnológicas, há também desafios ao nível das infraestruturas. Embora a produção de biocombustíveis siga em parte processos semelhantes aos das refinarias de petróleo, Lapa sublinha que as infraestruturas existentes necessitam de adaptações significativas ou, nalguns casos, de serem completamente substituídas ou criadas de raiz, como é o caso da produção de hidrogénio verde.
No que toca à regulamentação europeia para a monitorização das emissões de gases com efeito de estufa, especificamente no setor dos transportes, Nuno Lapa menciona que várias empresas, que produzem combustíveis renováveis ou misturas para o setor dos transportes, enfrentam dificuldades na sua aplicação, sobretudo no que diz respeito à contabilização das emissões de dióxido de carbono (CO2) de origem biogénica e fóssil.
Um dos principais problemas relatados está relacionado com a utilização da metodologia de datação por Carbono-14, que é necessária para distinguir o CO2 biogénico (proveniente de fontes renováveis) do CO2 fóssil (proveniente de combustíveis fósseis). Este método é crucial para cumprir a regulamentação e verificar a origem das emissões, mas não está disponível em Portugal para combustíveis líquidos. As empresas portuguesas são, por isso, obrigadas a recorrer a serviços no estrangeiro, o que acarreta custos adicionais e atrasos.
Além disso, mesmo com a metodologia de datação por Carbono-14, surgem dificuldades na interpretação dos resultados, pois o decaimento do Carbono-14 em combustíveis fósseis varia significativamente dependendo da localização geográfica das reservas de petróleo. Adicionalmente, a contaminação das matérias-primas fósseis por atividade biológica recente pode levar a resultados enganosos, tornando mais complexo distinguir entre o carbono biogénico e o fóssil.
Por isso, Nuno Lapa antevê “ainda um longo caminho a percorrer na área da regulamentação europeia sobre contabilização e rastreabilidade das emissões de dióxido de carbono de origem fóssil”.
Nuno Lapa também aborda o papel dos decisores políticos, referindo que a trajetória da transição energética tem sido marcada por uma alternância entre "entusiasmos exacerbados" e "hesitações desmotivadoras": “A decisão europeia de proibir a venda de veículos com motor de combustão interna a partir de 2035 foi precipitada”, afirma, defendendo uma abordagem mais equilibrada que promova tanto a mobilidade elétrica como a transição para combustíveis renováveis.
Nos setores onde a eletrificação será mais difícil de concretizar, como no transporte rodoviário pesado, no transporte marítimo e na aviação, os combustíveis de baixo carbono surgem como uma alternativa crucial, enfatiza Nuno Lapa.
Apesar da importância dos combustíveis renováveis, o especialista conclui que o ritmo da sua adoção não será suficiente para cumprir as metas de descarbonização até 2030. “As metas estabelecidas para o setor dos transportes são muito exigentes”, mas o “enquadramento legislativo e de financiamento não são de dimensão suficiente para promoverem uma transição tecnológica e de infraestruturas que nós diríamos ser “ultrarrápida”, tendo em conta o tempo disponível”. Embora o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) possa desempenhar um papel relevante, o investigador alerta que a gestão dos seus fundos precisa ser rigorosa e orientada para projetos de longo prazo, garantindo que as infraestruturas criadas possam sustentar-se após o fim dos apoios.