Jerónimo Cunha: “Não há volta a dar em relação à transição energética”
Já se reuniu com a tutela, com a Senhora Ministra. Que indicações e orientações recolheu?
Eu e a direção da DGEG já tivemos oportunidade de reunir com a Senhora Ministra este mês. Foi uma reunião de apresentação, de discussão de alguns tópicos urgentes. O PRR é um tema muito importante e foi necessário fazer alguns esclarecimentos de alguns dos seus projetos. A DGEG tem competências e tem trabalho para desenvolver e para entregar, tendo sido esse o primeiro foco da reunião. E depois foi uma conversa informal sobre os principais tópicos. São muitos os dossiês, quer de energia, quer de recursos geológicos, portanto não houve necessariamente tempo para explorar em detalhe cada uma das matérias, e o que vai acontecer a partir de agora é que teremos reuniões temáticas sobre os principais dossiês para explorar em profundidade e para obter essas orientações sobre os tópicos que são mais relevantes.
"O que vai acontecer a partir de agora é que teremos reuniões temáticas [com a Ministra do Ambiente e Energia] sobre os principais dossiês para explorar em profundidade e para obter essas orientações."
Em novembro de 2023, as autoridades afirmavam que o país estava mais do que nunca empenhado na concretização da transição energética. O Governo mudou. Que perceção é que tem a propósito da vontade do atual executivo apostar na TE?
Eu diria que a vontade é a mesma. Pelo menos, pelas palavras e pelo programa que foi apresentado e aquilo que tem vindo a público, a vontade é a mesma. Não há volta a dar em relação à transição energética, porque não é só uma necessidade em termos de concretização de metas, descarbonização ou transição, mas é, de facto, um desígnio daquilo que o país ambiciona ser no futuro, com uma economia muito mais forte e mais resiliente. E a transição energética, que é ao mesmo tempo um caminho para a independência energética, todos concordam que é fundamental.
Este Governo avançou com a ideia da neutralidade tecnológica para a transição energética, competindo ao mercado identificar as melhores oportunidades para o país nessa mesma transição. Que comentário merece este posicionamento?
Hoje em dia, já temos alguma neutralidade tecnológica. Houve necessidade de criar oportunidades para determinadas áreas e determinadas tecnologias crescerem no mercado, e precisamos de todas as tecnologias disponíveis para concretizar as metas e a transição, o que não se fará só com uma ou outra tecnologia. E provavelmente também não se fará só com 100 por cento de eletrificação, serão necessários outros vetores, e o próprio mercado irá decidir quais serão as tecnologias e os vetores que do ponto de vista económico farão mais sentido.
"O atual Governo terá de olhar para o trabalho que foi desenvolvido e que estava já numa fase muito avançada no plano de revisão do PNEC."
A versão final do PNEC tem de ser apresentada até ao final do próximo mês de junho. Com o anterior Governo, falou-se de reforço de ambição que iria estar refletido na versão final do PNEC. E hoje, esse reforço mantém-se?
Está a ser avaliado. O atual Governo terá de olhar para o trabalho que foi desenvolvido e que estava já numa fase muito avançada no plano de revisão do PNEC (foi apresentada uma versão revista no ano passado). A Comissão Europeia emitiu as recomendações no final do ano. Atenção que nem todos os Estados-membros entregaram a tempo as suas revisões do PNEC. Ainda recentemente — em fevereiro — havia três Estados-membros, um deles a Polónia, que não tinham entregado a sua revisão do PNEC, e depois, no contexto global, quando a Comissão avaliar se todos os Estados-membros vão atingir a meta global, isso terá peso. No final do dia, a Comissão vai dizer a cada Estado-membro se tem de ir mais além ou não em função do contexto global da União Europeia.
Neste momento, já apresentámos o contexto global do Plano, estamos a rever e a olhar para alguns pressupostos, para depois apresentar novamente esses resultados e obter a aprovação.
Os resultados serão apresentados publicamente?
Haverá uma consulta pública, que está prevista para os próximos meses, não temos ainda uma data definida, estamos a fechar o documento, e a ideia é entregar o documento em Bruxelas até ao final de junho. Para sermos francos, estes contextos de eleições não ajudaram, porque estes são documentos que carecem de várias diretrizes e de uma orientação estratégica, e houve este compasso de espera.
A Direção-Geral de Energia Geologia iniciou, em 2023, um processo de reforço dos seus quadros. Uma necessidade sentida há muito tempo como forma de responder aos inúmeros desafios que o setor da energia e dos recursos geológicos hoje impõe. Em que ponto é que está esse processo? Estava prevista a contratação de 120 trabalhadores até ao final deste ano.
De facto, o número são 120 novos colaboradores. Desses 120, 23 já entraram entre janeiro, fevereiro e março deste ano, porque havia pessoas que tinham concorrido a anteriores concursos. Essas pessoas tinham sido selecionadas, como não havia vagas nesses concursos, no fundo, ficaram em standby. Tendo agora esta abertura, tomámos a decisão de contactar essas pessoas e perguntar se ainda estavam interessadas. E conseguimos já e desde logo 23 colaboradores, os quais já entraram ao serviço em várias áreas desta Direção-Geral.
No início do ano, abrimos o concurso para 97 técnicos superiores. Recebemos cerca de 1900 candidaturas, embora algumas das quais repetidas, quer dizer, algumas das pessoas concorreram a vários concursos. Já fizemos a primeira pré-seleção, vamos avançar agora neste mês de maio para a prova escrita, sendo que a avaliação da prova escrita é muito rápida. Esperamos iniciar a parte das entrevistas em junho, de raiz psicológica e também funcional. Gostaria muito de em setembro começar a chamar alguns destes novos colaboradores.
O anterior Governo, mesmo antes de sair, lançou a Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energia Renováveis (EMER 2030). As competências desta EMER 2030 não deveriam estar concentradas na DGEG, tendo também em conta este reforço de efetivos?
A EMER está prevista no PRR, a sua publicação aconteceu, é um marco que já está concluído. O próximo passo por parte do atual Governo é nomear o coordenador dessa Estrutura e iniciar a composição dessa equipa, a qual trabalhará lado a lado com a DGEG.
Não há aqui uma redundância?
Não é uma redundância, no fundo, é um reforço das nossas equipas.
No ano passado, falou-se da possibilidade de a DGEG passar a Instituto Público como forma de a dotar de maior autonomia administrativa e financeira, mais agilidade. A criação da Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energia Renováveis foi a forma de contornar a dificuldade de transformar a DGEG num IP?
A EMER já estava prevista há muito tempo, porque a EMER não tem só a questão do acelerar. No fundo, é uma equipa avançada, quase de resposta rápida, que vai trabalhar com as nossas equipas para acelerar o Licenciamento, e tem outras valências, não é só a questão do licenciamento. A passagem a instituto também já estava equacionada. A informação que tive na altura foi de que o diploma estava pronto, depois aconteceu o que aconteceu, e o diploma — como outras iniciativas — já não avançou. Mas eu diria que uma Direção-Geral de Energia e Geologia, com a quantidade de responsabilidades que tem, faz todo o sentido em ser um instituto público, com mais autonomia financeira, mais autonomia procedimental.
A tutela está sintonizada com essa ideia?
Eu acho que sim, nós já demos nota dessa necessidade. Também demos a nota de que se esse não fosse o caminho — pelo menos, para já —, nós já propusemos uma alteração à nossa estrutura orgânica. Por exemplo: além da necessidade de atualizar a orgânica face à realidade atual, nós, neste momento, do ponto de vista da organização, temos dez direções de serviço e 20 divisões... mas podemos ir até às 28 divisões. E já fizemos essa proposta para alargar o leque de divisões, para criar mais equipas e ter mais agilidade. Isso pode ser feito num curto prazo, essa proposta também já está feita. Passar a Instituto depois tem alguns trâmites legais e processuais que levarão algum tempo, mas, como já foi entregue a proposta, acredito que vai andar para a frente.
"O concurso das baterias do armazenamento estamos a finalizar para submeter à nova tutela a peça do aviso."
Em novembro de 2023, no 11.º Fórum Energia do Jornal Água&Ambiente, anunciou a abertura de um terceiro aviso para apoio a gases renováveis e de uma linha de apoio para financiar projetos de armazenamento com baterias. Falou-se mesmo de um concurso financiado pelo PRR. Como é que estão estes dois processos?
Na altura em que foi anunciado, era o que estava previsto no calendário, mas, com a queda do Governo, algumas decisões ficaram por avançar. O concurso das baterias do armazenamento estamos a finalizar para submeter à nova tutela a peça do aviso, que tinha estado a ser trabalhada pela anterior tutela. Pensamos submeter isso à tutela para decisão nos próximos dias, até gostava que fosse já amanhã. O aviso dos gases renováveis também está pronto, penso que esse documento terá ficado na pasta de transição. Havia a hipótese de poder financiar mais projetos do segundo aviso ou lançar um terceiro aviso. Sei que o aviso estava pronto e que estava na pasta de transição.
"O aviso dos gases renováveis também está pronto, penso que esse documento terá ficado na pasta de transição."
Quando anunciou, em novembro de 2023, no 11.º Fórum Energia do Jornal Água&Ambiente, o lançamento de uma Estrutura de Missão, que viria a ser a Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energia Renováveis (EMER 2030), referiu que seria lançada, no seu âmbito, uma plataforma nova dedicada exclusivamente ao licenciamento de projetos renováveis e que, até ao final deste ano, esta plataforma estaria já ao dispor dos promotores. Como é que está este projeto?
Tem de se concretizar e vai concretizar-se. É uma meta do PRR. Houve um atraso, porque, se forem ver o que está escrito na Estrutura de Missão, uma das competências e valências é exatamente essa, a operacionalização [da plataforma]. A DGEG não esperou — esperou no início um pouco pela concretização da Estrutura de Missão, mas vimos que podia atrasar-se e só foi publicado recentemente — e tomámos a iniciativa de começar a construir os cadernos de encargos e as peças dos procedimentos, não só para esta plataforma, mas para tudo o que está por trás do funcionamento de uma plataforma, como a gestão documental, que a Direção-Geral não tem e precisa; uma solução de call center, que é hoje uma das nossas maiores fragilidades, pois temos pouca capacidade de contacto e de resposta a quem nos procura, portanto, um call center digno desse nome, com um multicanal, com muitas plataformas, com assistentes digitais, com assistentes virtuais; também uma parte de digitalização de acervo de documentação para depois alimentar a gestão documental, uma parte que também está prevista no PRR de preparação de conteúdos de suporte, nomeadamente para os municípios, para os ajudar nestes processos de licenciamento, tudo isto está a ser preparado agora. Estamos quase a finalizar estes procedimentos, estamos a falar de concursos internacionais, estamos a falar em cerca de seis ou sete milhões de euros de investimento nestas ferramentas todas, inclusive a plataforma de licenciamento, tudo isto, no final do dia, tem de estar a comunicar entre si e a funcionar.
E poderá estar a funcionar ainda este ano?
Vamos tentar! Como referi, isto são concursos internacionais, tem prazos, certamente com o valor que temos conseguimos atrair boas soluções, estamos a preparar-nos bem, porque um procedimento desta dimensão é exigente, tendo em conta os poucos recursos que temos, mas as nossas equipas estão bem focadas e queremos ser rápidos a pôr isto cá fora. O que temos no PRR é o one-stop-shop com vários componentes por baixo. Será para Renováveis, mas tudo o que está por baixo será para a DGEG, para a DGEG se capacitar. E, em paralelo, temos outras iniciativas. Estamos a avançar na área dos combustíveis, a começar a ter também as ferramentas digitais para que os pequenos processos que são hoje feitos em papel passem a ser digitais, emissões de cartões para os técnicos responsáveis, o que já devíamos estar a fazer há uns anos, vamos também lançar esse procedimento muito em breve. O PRR tem regras específicas, tudo o resto será com o nosso orçamento. Também estamos a trabalhar para a mobilidade elétrica, para a área da recolha de estatísticas, estudos sociológicos... várias ferramentas, para que, por exemplo, emissões de cartões ou de certificações ou registos de entidades sejam feitas automaticamente e não tenhamos de estar a dispensar recursos humanos para essas tarefas. Também estamos a trabalhar e a concluir a plataforma do autoconsumo, que já existe, embora não tenha ainda todas as valências nem todas as ferramentas que permitam tramitar um processo do princípio ao fim. O nosso compromisso é junho deste ano.
Acredita que o autoconsumo possa disparar?
Sem dúvida! Já estamos a ver, é uma realidade. Prevemos que haja mais autoconsumos em funcionamento depois de a plataforma estar a funcionar plenamente.
Quer ao nível de domicílios, quer ao nível da indústria?
Sim, quaisquer dos níveis.
"Nós iremos apresentar à nossa tutela o ponto da situação deste processo (eólica offshore) e aguardar orientações."
Na pasta de transição deixada pelo anterior Governo, a produção de energia eólica offshore era uma das apostas fortes. Aguardava-se o lançamento de um leilão que tinha mobilizado manifestações de interesse de 49 consórcios. Como está este dossiê?
Há um grupo de trabalho com esse dossiê. Houve um diálogo, houve uma troca de informações com esses 49 interessados, que, no fundo, eram mais, pois havia empresas agrupadas, promoveu-se um questionário, foram recolhidas mais informações, produziu-se um relatório, que estaria a ser concluído. Neste momento, vamos apresentar à atual tutela muito em breve o ponto de situação. Este não é um processo que envolve só a DGEG, envolve outras áreas governativas. Nós iremos apresentar à nossa tutela o ponto da situação deste processo e aguardar orientações.
Em que é que se consubstancia a informação que vão entregar à tutela?
Vamos apresentar o processo que aconteceu até agora, os passos que foram dados, os resultados que saíram e as decisões que competem à nossa tutela tomar. Mas também dar nota que isto envolve outras áreas governativas, é necessário dar continuidade ao trabalho.
E pronto para lançamento está o leilão para a compra centralizada de biometano e hidrogénio que envolvia uma verba de 140 milhões de euros. O leilão estava previsto para este ano ainda, certo?
Sim, o primeiro passo estava previsto para este ano. É necessário definir o modelo do leilão, é necessário lançar, e, assim que se lançar, há uma fase de pré-qualificação, por exemplo. É importante haver uma pré-qualificação para que quem vá a jogo tenha capacidade financeira e técnica para levar avante estes projetos, que requerem grandes investimentos.
Isso está dependente de uma decisão política?
Qualquer procedimento concorrencial não parte das entidades, parte do Governo. Compete à Direção-Geral fazer o trabalho técnico e apresentar e promover depois todo o acompanhamento, mas a decisão compete ao Governo, terá de haver um ato legislativo que dá início ao processo.
Em que ponto é que estão os trabalhos do grupo que a DGEG criou para a revisão regulamentar da cogeração? Quais são as principais questões que devem ser ponderadas no âmbito desta revisão?
Estamos a avançar, recolhemos alguma informação juntamente com a associação do setor que nos fez chegar alguma informação.
Qual é o próximo passo?
Ter uma primeira versão do que será o documento. Não é simplesmente adaptar o que existe, o nosso objetivo é fazer uma peça nova que olha também para aquilo que já estava feito, e concentrar tudo num único diploma, o que é um trabalho exigente, que levará algum tempo, mas, dessa primeira peça, discutir novamente com o regulador, com a associação do setor e outros intervenientes.
Essa primeira peça deverá estar pronta quando?
Ainda não consigo dizer. Estamos a trabalhar, os recursos não são muitos, temos de nos ir adaptando.
Um outro ponto crítico são as feed-in tariff (FiT) de que beneficia a cogeração e que nasceram com o pressuposto dos chamados Custos Evitados em combustíveis fósseis. Nesse trabalho, nessa primeira peça, as feed-in-tariff (FIT) caem ou mantém-se?
Isso tem de ser avaliado, estamos a avaliar com o regulador, não é se caem ou não caem, quem tem direitos adquiridos não os pode perder, isso não vai acontecer. Concluindo, temos muitos dossiês, estamos a trabalhar no dossiê da Tapada do Outeiro, que é um dossiê complexo, estamos a trabalhar para apresentar as novas peças à nova tutela.
E para quando está previsto?
Não temos data, mas será este ano. Porque há coisas que não dependem só de nós. Temos um conjunto de transposições diretivas para fazer...
Quais são as principais?
A diretiva das renováveis, a RED III, a diretiva sobre o desempenho energético dos edifícios, que foi publicada agora pela Comissão Europeia, e a AFIR dos combustíveis alternativos. Mas há outras ainda, como o mercado interno da eletricidade. Há um conjunto de diretivas que entre este e o próximo ano teremos de trabalhar. Muito desse trabalho será feito aqui internamente, algumas coisas já estão a acontecer, porque há prazos para cumprir, e esse vai ser outros dos desafios que temos pela frente nos próximos meses e anos, que é garantir a correta transposição dessas diretivas.
Do ponto de vista da Direção-Geral, precisamos dar o salto quantitativo e qualitativo. Esse salto são os recursos humanos, o que está a acontecer; já conseguimos as viaturas, o que vai permitir ir ao terreno; a parte tecnológica digital é fundamental. A nossa resposta tem de ser mais rápida e mais eficaz.