
Municípios falam de insustentabilidade na gestão de resíduos e exigem medidas urgentes
Os municípios portugueses enfrentam um cenário preocupante e “insustentável” no cumprimento das metas ambientais, afirmou Ricardo Leão, vogal do Conselho Diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Durante a sua intervenção no encontro sobre resíduos, promovido pela ANMP, em Lisboa, e acompanhado pelo Água&Ambiente Online, Ricardo Leão foi direto e claro: as autarquias “não vão conseguir dar resposta a todos os desafios” por falta de condições financeiras e estruturais.
Entre os desafios apontados, destaca-se a implementação da recolha seletiva de biorresíduos, considerada o “maior desafio do setor dos resíduos nos últimos 20 anos”. Este objetivo, aliado à obrigatoriedade de recolher resíduos perigosos e têxteis, exige recursos que os municípios não possuem. A ausência de apoios financeiros do Fundo Ambiental de 2024 para estas áreas agrava a situação, com o financiamento existente a ser “claramente insuficiente” face às exigências do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030).
Outro ponto crítico é o aumento progressivo da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR), que, em 2025, alcançará os 35€, representando um aumento de 218% em três anos. Este encargo adicional compromete a sustentabilidade financeira das autarquias, dificultando o cumprimento das metas de redução da deposição em aterro.
Ricardo Leão, a propósito do cumprimento das metas de reciclagem, diz que estamos perante um “desafio quase utópico” e muito aquém dos objetivos da União Europeia.
As assimetrias territoriais e a diversidade populacional foram também apontadas como barreiras ao cumprimento das metas. “Os territórios e populações têm características distintas, o que exige estratégias de desenvolvimento diferenciadas”, afirmou. Entre as soluções propostas estão a ampliação de aterros, a partilha de infraestruturas e a construção de novas centrais de valorização de resíduos.
O "buraco negro" dos resíduos industriais banais
José Manuel Ribeiro, presidente do Conselho de Administração da LIPOR, que representa oito municípios da Área Metropolitana do Porto, falou de um “buraco negro” que compromete a gestão de resíduos em Portugal: os resíduos industriais banais. Que destino têm estes resíduos? O representante da LIPOR acredita que há resíduos industriais banais nos indiferenciados. E adianta que o facto de eles serem tratados nos indiferenciados encarece o processo, além de dificultar o cumprimento das metas ambientais. Segundo José Manuel Ribeiro, falta rastreabilidade e gestão eficaz.
Na sua perspetiva, o foco deve estar na responsabilização dos produtores, enfrentando o problema a montante em vez de se centrar apenas na recolha e tratamento a jusante. Esta ideia foi reforçada por outros intervenientes.
José Portela, administrador da Ecobeirão, também referiu os resíduos industriais, destacando que são uma área complexa que requer tecnologia avançada e tarifas sustentáveis. O orador frisou que a gestão de resíduos industriais representa um desafio significativo, especialmente no contexto de cumprimento das metas e diretivas europeias.
Vera Eiró sugere que municípios priorizem biorresíduos
Após as inúmeras preocupações levantadas, Vera Eiró, presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), afirmou que os municípios podem fazer escolhas estratégicas na gestão de resíduos sólidos urbanos. Em face das dificuldades e limitações, podem focar-se nos biorresíduos como uma prioridade: “(…) a minha sugestão de escolha é biorresíduos, se [os municípios] tiverem de escolher alguma coisa”, declarou. Isto porque os biorresíduos representam uma fração significativa (40%) dos resíduos sólidos urbanos. Além disso, acrescentou, a sua gestão adequada pode ter um grande impacto no cumprimento das metas ambientais e na sustentabilidade geral do sistema.
Para a presidente da ERSAR, embora a gestão de biorresíduos exija investimento, esta aposta traz um dos maiores retornos em termos de resultados práticos. Mencionou, depois, que os municípios têm um papel essencial na logística e na articulação com os sistemas em alta, assegurando que as decisões tomadas ao nível local estejam alinhadas com as operações técnicas e operacionais já existentes.
Desafios: sustentabilidade, financiamento e necessidade de reformas no setor
As preocupações crescentes sobre a pressão financeira e operacional que o setor enfrenta foram manifestadas por outros oradores.
Nuno Soares, presidente do Conselho de Administração da Tratolixo, evidenciou que ainda temos uma quantidade significativa de resíduos indiferenciados a tratar, e isso exige soluções em toda a linha, desde a redução na produção até à valorização energética: “É preciso garantir que temos capacidade para tratar tudo o que nos chega (…). Só com uma capacidade de valorização energética muito maior, é possível dar resposta à fração-resto” e reduzir a deposição em aterro.
Por sua vez, Vítor Picado, secretário-geral da Associação de Municípios do Alentejo Central (AMCAL), reiterou a importância de fortalecer a rastreabilidade e melhorar a articulação entre os sistemas de gestão de resíduos para garantir maior sustentabilidade financeira dos sistemas.
Para José Ribau Esteves, vice-presidente do Conselho Diretivo da ANMP e Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, é necessária uma combinação de diversas fontes de financiamento — municipais, comunitárias, bancárias e provenientes de contratos de longo prazo — como solução para viabilizar os investimentos necessários, sendo essencial encontrar um equilíbrio entre estas fontes para garantir a sustentabilidade financeira do sistema.
Por outro lado, criticou o modelo de financiamento das empresas do Grupo EGF, que considera desatualizado e desajustado às exigências atuais, assegurando lucros às empresas independentemente da qualidade da sua gestão.
José Eduardo Martins alertou que a gestão de resíduos em Portugal exige um grande investimento externo, pois as tarifas e a responsabilidade alargada do produtor não são suficientes para cobrir as necessidades.
Soluções centrais ou regionais?
O debate revelou também a complexidade de encontrar soluções que sirvam todos os territórios. Paulo Praça, presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos, indicou dois princípios fundamentais para a gestão de resíduos: o da autossuficiência, que implica que Portugal e as suas regiões sejam capazes de gerir os seus próprios resíduos, evitando a dependência de exportações, e o da proximidade, que defende a existência de soluções regionais e a partilha de infraestruturas. Paulo Praça também assinalou a importância de se repensar o modelo de aplicação e devolução da TGR, cuja implementação não tem sido uniforme, penalizando os municípios.
Biorresíduos em Portugal: apenas 13% são reciclados
Neste encontro, foram revelados dados relevantes sobre os biorresíduos. De acordo com José Pimenta Machado, Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), os biorresíduos representaram, em 2023, 47% do total de resíduos urbanos produzidos em Portugal Continental. Contudo, apenas 38% desses resíduos têm atualmente potencial para valorização e apenas 13% são efetivamente reciclados, o que corresponde a cerca de 200 mil toneladas. Estes números estão muito aquém dos objetivos nacionais e europeus de reciclar 70% dos resíduos urbanos até 2030, evidenciando a necessidade urgente de medidas estruturais no setor.
Além disso, Pimenta Machado alertou que 59% dos resíduos continuam a ser depositados em aterro, gerando um impacto ambiental significativo. Para reverter este cenário, sublinhou a importância de implementar sistemas eficazes de recolha seletiva e de valorização de biorresíduos, com o apoio de financiamento adequado e da colaboração dos municípios.