
Paulo Praça: Dois pesos, duas medidas?
O artigo deste mês vai em modo desabafo. É repetitivo, reconheço, mas é impossível ficar indiferente a que, perante os mesmos objetivos e preocupações, não haja a mesma “sensibilidade” política.
Ficámos a saber que o Governo vai prorrogar até 31 de março de 2021 o prazo para que os prestadores de serviços de restauração e de bebidas se adaptem às disposições relativas à não utilização e não disponibilização de louça de plástico de utilização única, os chamados descartáveis, tudo segundo um diploma aprovado muito recentemente em Conselho de Ministros, no âmbito de medidas relativas à pandemia da Covid-19.
O contexto é difícil e obriga a grandes sacrifícios e custos, pelo que o Governo vem intervindo no sentido de tomar o máximo de medidas para limitar ao mínimo possível o risco de contágio e para atenuar os efeitos desta crise de saúde pública na economia, com forte impacto na vida das empresas e das pessoas.
Mas, neste caso em particular, com o resultado de adiar medidas muito importantes para o ambiente e para a diminuição do recurso a plásticos de uso único, com todas as consequências que tal medida acarreta em termos de transição para uma economia circular.
Torna-se, por isso, muito difícil aceitar que o mesmo elenco governativo não tenha a mesma visão para outras matérias, talvez por não serem tão apelativas, como é o caso do “lixo”.
É por isso que aqui repito o tema da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) mas é de facto impossível não reagir quando é feito um anúncio de um aumento para o dobro do seu valor atual (a entrar em vigor a 01 de janeiro de 2021), num contexto de crise sem precedentes e que se traduzirá num acréscimo dos custos a suportar pelos municípios e pelos cidadãos.
Tudo com base em preocupações de natureza ambiental (que partilhamos) que se sobrepõem, neste caso, à grave situação económica, financeira e social mas, em outras áreas, como o exemplo anterior, a mesma crise já constitui motivo de derrogação das mesmas preocupações.
Assim, não se compreende que a TGR possa sofrer um aumento que agravará o custo do sistema sem que se encontre integrada numa revisão mais profunda, tudo num período de incerteza e de crise, quando são tomadas medidas em todas as áreas para minorar os seus efeitos, quer em termos económicos, quer sociais.
Sem uma revisão que permita, efetivamente, alcançar os fins ambientais a que a TGR se destina (através de, por exemplo, medidas para atacar o início do ciclo dos resíduos, ou seja, campanhas informativas para consciencializar e capacitar as populações para a redução da produção de resíduos), este aumento vai apenas traduzir-se num agravamento das dificuldades sociais e económicas.
Em matéria de resíduos urbanos "ainda há muito a fazer ao nível da comunicação com o cidadão, sobre a importância do seu papel para um futuro melhor no uso dos recursos (...)"
É preciso agir para que o Setor e o País possam ultrapassar as dificuldades que atravessam, tendo em conta o atual contexto, através da adoção de medidas que possam servir os mesmos objetivos mas sem o agravamento das condições económicas em que se encontra.
No caso dos resíduos urbanos ainda há muito a fazer ao nível da comunicação com o cidadão, sobre a importância do seu papel para um futuro melhor no uso dos recursos, quer num esforço de maior consciencialização para um consumo sustentável e responsável, quer na indispensabilidade da separação dos resíduos que produz, de modo a que se possam tornar efetivamente recursos e assim também diminuir a deposição em aterro.
É tempo de apontar para um caminho em que o comportamento de todos conta e não de aumentar a fatura. As alternativas existem, a escolha também.
Paulo Praça é licenciado em Direito com pós-graduações em Direito Industrial, Direito da Interioridade e Direito das Autarquias Locais. Título de Especialista em Solicitadoria. É Diretor-Geral da Resíduos do Nordeste e Presidente da Direção da ESGRA – Associação de Empresas Gestoras de Sistemas de Resíduos.
Docente convidado na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, no Mestrado de Administração Autárquica e na Licenciatura de Solicitadora, nas matérias de Ordenamento, Urbanismo e Ambiente.
Foi Adjunto da Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, no XV Governo Constitucional, Assessor do(s) Ministro(s) da Economia e do Ministro das Finanças e da Economia, no XIV Governo Constitucional, e Assessor do Ministro da Economia, no XIII Governo Constitucional.
Nos últimos anos tem participado em diversas ações de formação como orador e como participante. É também autor de trabalhos publicados.