Peças Lopes (Energia): Necessidade da Definição de Novos Requisitos de Operação (Grid Codes)

Peças Lopes (Energia): Necessidade da Definição de Novos Requisitos de Operação (Grid Codes)

A ambição do sistema elétrico do futuro está orientada para o desenvolvimento de um sistema electroprodutor que explore maioritariamente fontes primárias com origem renovável – vento, sol, recursos hídricos, biomassa e biocombustíveis. No limite podemos até ambicionar um sistema que, em termos líquidos, possa ser 100 % renovável. Em Portugal há potencial para que tal possa vir a ocorrer, sendo para isso necessário investir fortemente em tecnologias de armazenamento de energia, para grandes volumes – sistemas hidro-elétricos com bombagem reversíveis – e sistemas eletroquímicos (as baterias) para armazenamento de menor capacidade, localizados em pontos estratégicos da rede, com capacidade para uma resposta rápida.

O desenvolvimento de um sistema elétrico deste tipo trará consigo novos sistemas de conversão, baseados em eletrónica de potência, que irão progressivamente substituir geradores síncronos convencionais no despacho de operação, uma vez que a produção renovável terá prioridade no despacho por apresentar preços de mercado inferiores. Tal não implica o desaparecimento das centrais térmicas convencionais, nomeadamente as de gás natural, que serão sempre necessárias para assegurar a segurança de abastecimento.

Tal significa que, como já ocorre hoje em dia, haverá cada vez mais horas de operação, por ano, sem a presença de centrais térmicas, sendo que as únicas centrais equipadas com grupos síncronos serão as centrais hidroelétricas e alguns grupos associados a queima de biomassa e biocombustíveis. Ocorre que esta situação conduz a problemas técnicos delicados que importa elencar: 1) a redução da inércia global do sistema electroprodutor fará com que o comportamento dinâmico da rede seja caraterizado por fenómenos muito rápidos, podendo levar a instabilidades no sistema; 2) a redução da presença de geradores síncronos fará reduzir as correntes de curto-circuito, tornando as atuais soluções de proteção das redes ineficazes, por deixarem de existir as correntes de defeito com valor suficiente para as fazer operar. 3) As reservas operacionais, que servem para equilibrar a oferta e o consumo, necessitam de ser repensadas tendo em conta a necessidade de assegurar respostas eficazes durante o processo de compensação. 4) Os sistemas de conversão terão que ser capazes de sobreviver a cavas de tensão na sequência de defeitos nas redes, caso contrário a sua perda conduziria a um deficit de produção que provocaria deslastres de carga e até a instabilidades no sistema.

Daqui resulta que o desenvolvimento de um sistema elétrico onde a produção que necessita de conversores eletrónicos para fazer a interface com rede terá que satisfazer requisitos técnicos especiais, que lhe confiram capacidade de sobrevivência a cavas de tensão, capacidade de emulação de inércia sintética ou outra (explorando compensadores síncronos), capacidade de garantir rampas nas variações de produção e ainda outros. Toda a definição destes requisitos deverá ser sustentada em estudos e deverá conduzir a atualizações dos Regulamentos das Redes de Transmissão e Distribuição (Grid Codes na literatura anglo-saxónica). Tal deve assim ser desde já uma das preocupações centrais dos operadores de rede e dos reguladores.

A Europa tem vindo a fazer um esforço neste domínio, tendo o ENTSO-E publicado vários “Grid Codes” que vão no sentido indicado. Importa agora transpô-los para a Regulamentação Portuguesa, ajustando e parametrizando as molduras regulamentares. Esta situação necessita de particular atenção para o caso das redes elétricas das ilhas das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. Este processo está já em curso na Madeira.

O sucesso da massificação da produção de eletricidade com origem renovável passa em grande parte por este esforço. É importante que tal se faça tão depressa quanto possível para que os equipamentos de produção a instalar respeitem desde já os requisitos necessários.

João Peças Lopes é administrador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.

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