
Peças Lopes: Necessidade de aumento da interação entre operadores de redes de transporte e distribuição
A gestão operacional do sistema elétrico tem sido desde sempre centrada no operador da rede de transmissão, pela sua capacidade de monitorização, supervisão e controlo dos centros produtores e da infraestrutura da rede. Tal tem significado também a gestão do fornecimento dos serviços de sistema, que permitem a exploração dentro de níveis de segurança desejados, e que tem também sido responsabilidade dos operadores das redes de transmissão.
Com aumento da produção distribuída, ligada sobre as redes de distribuição, passou a ser necessário aumentar a observabilidade destas redes e passou a ser necessário também controlar de forma ativa os perfis de tensão e os fluxos de potência, procedendo a uma gestão mais interventiva por parte dos operadores destas redes, que até aqui operavam redes quase passivas. Uma parte importante da produção distribuída passou, portanto, a ter que ser controlável em potência ativa e reativa, aumentando a sua flexibilidade de operação, para assim garantir o apoio à gestão da rede de distribuição, mas também para disponibilizar apoio à gestão da rede de transmissão e do sistema elétrico como um todo, podendo fornecer serviços de sistema de controlo de tensão, controlo de frequência e até reservas operacionais. Esta interação faz-se nos nós de ligação entre as duas redes, podendo o operador da rede de transmissão solicitar serviços de sistema à produção ligada sobre a rede de distribuição, desde que tal não viole as restrições de operação do lado da distribuição. Espera-se ainda que os consumidores passem também a ser agentes ativos no apoio à gestão do sistema elétrico, disponibilizando também serviços de sistema de apoio à redução de congestionamentos em ramos e até de apoio ao balanço entre oferta e procura.
Ou seja, o aumento da produção distribuída (que se espera seja ainda mais relevante nos próximos anos) vai exigir uma coordenação progressiva entre operadores das redes de transporte e distribuição, requerendo nomeadamente a definição e implementação de plataformas para troca de dados e comandos para a operação, mas também para o planeamento das redes. Tal implicará por exemplo a identificação de equivalentes dos nós das redes de distribuição para operação em regime estacionário e dinâmico, associados respetivamente a mapas de flexibilidade P/Q e a equivalentes dinâmicos que apresentem capacidade de disponibilização de reserva e de participação na regulação de frequência.
Para implementar no terreno estas mudanças será necessário desenvolver novos modelos de mercado, dotados de mecanismos transparentes e não discriminatórios, com granularidade espacial e temporal para os diferentes serviços, sendo que alguns destes mercados serão inclusivamente explorados localmente, funcionando os operadores das redes de distribuição como facilitadores destes mercados, validando tecnicamente as ofertas dos diferentes tipos de recursos distribuídos (consumidores e produtores). Também o quadro legislativo e regulatório terá que se adaptar a estas mudanças.
Temos, pois, pela frente grandes desafios, mas também oportunidades que interessam bastante à indústria que desenvolve soluções para estes sistemas, para assim aumentar a eficiência de operação da rede elétrica do futuro. Em todo este processo, dadas as competências existentes no sistema científico e tecnológico e a capacidade da indústria Portuguesa, teremos possibilidade de gerar valor acrescentado, criando riqueza e emprego altamente qualificado em Portugal.
João Peças Lopes é diretor do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.