
“Portugal tem de negociar com Espanha caudais ecológicos para o Tejo”
Quais os impactos para o rio Tejo, em Portugal, dos dois projetos hidroelétricos nas barragens espanholas de Alcântara e Valdecañas? Pedro Serra e Rodrigo Oliveira dizem ao Jornal Água&Ambiente que é preciso negociar níveis de caudais que acautelem os interesses dos dois países. Caso contrário, haverá danos para a Agricultura e ecossistemas.
As preocupações são muitas por parte dos movimentos ambientalistas, sobretudo no que respeita aos caudais ecológicos, que podem vir a não ser cumpridos, nomeadamente na barragem de Cedillo, em Espanha. Ao Jornal Água&Ambiente, Pedro Serra, ex-presidente do Instituto da Água, confessa que olha para o tema “com preocupação”. “Embora os espanhóis assegurem o cumprimento do regime de caudais da Convenção de Albufeira, o que acontecia até agora é que Alcântara era apenas uma central com ‘turbinagem’, sem bombagem, para produzir energia turbinada, sendo que a água era lançada até Cedillo (que tem uma capacidade de retenção relativamente limitada e chegava a Portugal rapidamente)”, explica. Mas, agora, a situação é um pouco diferente, “porque Alcântara tem um reservatório de grandes dimensões, com cerca de 3 mil milhões de m3, que vai estar a bombar e a turbinar entre Cedillo e Alcântara, e os espanhóis só vão lançar para jusante quando entenderem que não se justifica estar nesse regime de circuito fechado”.
“Acentuar da assimetria”
Desta forma, o especialista em recursos hídricos compreende as preocupações que têm vindo a público, o que, por si só, “justifica que as administrações portuguesa e espanhola negoceiem e decidam qual o regime que deve ser adotado, acautelando os interesses mútuos”, não pondo em causa as necessidades de Portugal, nomeadamente o regime de caudais a jusante, sobretudo na estiagem, “precisamente onde são necessários na parte nacional da bacia”.
Caso os dois países não venham a entender-se, Pedro Serra antecipa problemas graves como “o acentuar da assimetria”, ou seja, em época húmida, haverá muita água, mas na estação seca “poderemos ter muito pouca água e ficarmos reduzidos aos caudais da Convenção de Albufeira”. “Na época de verão, podemos ter menos água do que a que temos agora, por isso é fundamental que haja um entendimento que, de alguma forma, densifique o regime de caudais e ofereça algumas garantias das afluências de que Portugal necessita, particularmente no troço entre Cedillo e a confluência do Zêzere com o Tejo em Constância (o troço do rio que está mais dependente dos caudais provenientes de Espanha)”, diz. Refere que a Agricultura é uma das áreas que podem vir a ser mais afetadas e que, havendo menos água, “há sempre o risco de algumas espécies que povoam aquele troço de rio poderem ressentir-se”, considerando necessário acautelar as necessidades dos ecossistemas.
Também Rodrigo Proença de Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico (IST), da área científica de Hidrologia e Recursos Hídricos, admite que os dois projetos hidroelétricos espanhóis podem vir a ter impactos, sobretudo “devido ao facto de haver um maior consumo de água”. E explica porquê: “neste momento, os conflitos entre os usos em Espanha fazem com que, por exemplo, a Agricultura não possa aumentar os seus consumos porque tem impactos na produção hidroelétrica. Ao ter esta capacidade de bombagem, Espanha poderá aumentar o uso de água, sem que isso tenha um impacto tão grande na produção de energia”. Assim, as preocupações em relação a Portugal, sublinha, não são tanto os projetos em si, mas o facto de estes permitirem aumentar o consumo de água em Espanha para os consumos hídricos e, a certa altura, chega menos água a estes aproveitamentos hidroelétricos, e havendo capacidade de bombagem, vem menos para jusante (Portugal)”.
“É essencial que defendamos, de uma vez por todas, os caudais ecológicos”
O académico assegura que a solução passa por concretizar o que está na Convenção de Albufeira e por definir os caudais ecológicos para Portugal. Recorde-se que o documento prevê a definição de caudais ecológicos desde a sua assinatura, em 1998, mas desde então tem-se mantido em vigor um regime de caudais mínimos, o qual deveria ser transitório. No caso do rio Tejo, o valor anual é 2700 hm3. E, por esta razão, Rodrigo Oliveira garante que os dois países têm de acordar um regime “satisfatório para ambos”. “É essencial que defendamos junto de Espanha, de uma vez por todas, os caudais ecológicos previstos na Convenção. E, para fazê-lo, podemos aplicar a mesma metodologia que Espanha utiliza nas secções de montante das várias bacias”, aponta, referindo-se a várias decisões técnicas das autoridades espanholas, em várias secções, que têm aprovado caudais ecológicos, alguma delas objeto de debate a nível do sistema de justiça e autorizados pelos tribunais. “Esta metodologia que já é aplicada em Espanha pode ser replicada”, afiança.
“Devemos chegar a acordo com Espanha sobre os caudais ecológicos. Com isso, estes novos empreendimentos deverão cumpri-los. Reconheço que não é simples, mas é possível”, insiste Rodrigo Oliveira, que concorda com Pedro Serra no que toca aos impactos mais diretos sobre a Agricultura (com dificuldades de captação para perímetros de rega) e os ecossistemas.
Recorde-se que a 30 de novembro de 1998 foi assinada em Albufeira (Algarve) a Convenção Luso-Espanhola, que herdou o mesmo nome. Este instrumento de cooperação bilateral regula a proteção das águas das bacias hidrográficas partilhadas entre Espanha e Portugal, dos rios Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana, promovendo também a utilização sustentável e coordenada das suas águas, tendo em conta os interesses e peculiaridades de ambos os países. A Convenção tem sido um instrumento na coordenação e adequação dos instrumentos de planeamento das bacias partilhadas, especialmente em matérias como o planeamento hidrológico ou a gestão do risco de inundações. Foi aperfeiçoada em 2008, através da introdução de algumas melhorias no regime de caudais.