RASARP 2024: Indicadores revelam estagnação dos setores de água e resíduos
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RASARP 2024: Indicadores revelam estagnação dos setores de água e resíduos

O Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos de Portugal (RASARP 2024), relativo aos dados de 2023, mostra que os principais indicadores dos setores de água e resíduos permanecem estagnados, apontando para desafios que se mantêm na reabilitação das infraestruturas, na adesão dos utilizadores e na eficiência económica dos serviços.

A apresentação do RASARP 2024 teve lugar esta sexta-feira, na sede da ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos.

Os desafios económicos refletem-se, desde logo, no recuo dos indicadores de cobertura de gastos. No setor dos resíduos urbanos, a cobertura passou de 70% para 68% entre 2022 e 2023, enquanto no saneamento, a queda foi ainda mais significativa, de 99% para 94%. Esta redução evidencia a dificuldade que muitas entidades, sobretudo as que operam em gestão direta, enfrentam para cobrir os custos operacionais e de manutenção dos serviços prestados.

Reabilitação de infraestruturas e adesão ao serviço

Outro aspeto preocupante é a evolução negativa dos indicadores relacionados com a reabilitação das infraestruturas. No setor do abastecimento de água, a taxa de reabilitação de condutas situou-se em 0,5%/ano, quando devia estar entre 1,5% e 4%/ano, evidenciando um agravamento da situação devido ao envelhecimento da rede. Adicionalmente, apenas 2% dos coletores com mais de dez anos foram inspecionados nos últimos cinco anos, quando este valor devia ser igual ou superior a 75%. No que diz respeito à reabilitação dos coletores, os índices permanecem deficitários, com uma taxa de apenas 0,2%/ano (o valor de referência é de entre 1,5% e 4%/ano) um patamar que, segundo o regulador, se mantém há muito tempo (em 2023, este indicador situava-se nos 0,4%).

Paralelamente, o problema da adesão ao serviço continua a ser um desafio crucial. Embora se verifique uma ligeira melhoria — com um incremento de 0,5% na adesão ao abastecimento de água e de 2% na gestão de águas residuais de 2022 para 2023 —, os níveis continuam aquém do ideal, revelando que muitos consumidores ainda não aderem integralmente aos serviços prestados.

No que concerne ao abastecimento de água, de acordo com o RASARP 2024, em 2023 os sistemas em alta registaram perdas reais de 21,3 milhões de metros cúbicos de água não faturada, enquanto nos sistemas em baixa, as perdas atingiram 169,7 milhões de metros cúbicos, totalizando 191 milhões de metros cúbicos de água desperdiçada, o que representa um aumento de mais de 3% relativamente ao ano anterior. Estes números ilustram a dimensão crítica do problema, que, convertida para uma métrica mais visual, equivale a cerca de 8,7 piscinas olímpicas por hora. Este número seria ainda passível de suprimir 2,5 vezes as necessidades de consumo urbano do Algarve.

Além disso, o relatório destaca que, se fosse possível eliminar 80% do volume de perdas reais e das afluências indevidas, haveria um potencial de poupança na ordem dos 152 milhões de euros por ano, evidenciando não só o impacto ambiental, mas também o elevado custo económico associado a esta ineficiência.

Na área dos resíduos urbanos, o indicador da acessibilidade física à recolha seletiva situa-se em apenas 60%, embora se tenha registado uma ligeira evolução positiva face ao ano anterior. Em zonas rurais, a melhoria foi mais acentuada, com um incremento de 6%, fruto dos esforços para centralizar os ecopontos de recolha. Tal centralização é vista como uma estratégia fundamental pelo regulador, dado que, quando os pontos de recolha permanecem dispersos, não se contribui de forma efetiva para o aumento dos indicadores de adesão ao serviço.

Por outro lado, 58% dos resíduos urbanos continuam a ter como destino final os aterros, o que, como é sabido, coloca em causa os objetivos de sustentabilidade e economia circular. Já a recolha seletiva multimaterial corresponde a apenas 18% do total de resíduos (dos cerca de 28% produzidos), e a recolha seletiva de biorresíduos atinge um patamar ainda mais baixo, de apenas 5% (dos 37,7% produzidos).

Demasiadas entidades gestoras, pior serviço

Os dados apresentados esta sexta-feira dizem que duas entidades gestoras deixaram de existir, passando de 353, em 2022, para 351, em 2023. Ao longo dos últimos dez anos, verificou-se uma diminuição de cerca de 25% no número de entidades gestoras, fenómeno que teve uma expressão mais acentuada no setor de abastecimento de água. Atualmente, existem 229 entidades responsáveis pelo abastecimento, 225 pela gestão de águas residuais e 258 dedicadas à gestão de resíduos urbanos.

O regulador salienta ainda a necessidade de promover a transferência do serviço das juntas de freguesia para os municípios, tendo em conta que estas últimas não estão integradas nas zonas definidas pelo Plano de Controlo da Qualidade da Água (PCQA).

Apesar da predominância do modelo de gestão empresarial nos sistemas em alta — que abrange mais de 90% da população — os serviços em baixa mantêm percentagens estáticas: 52% de cobertura empresarial no abastecimento de água, 46% na gestão de águas residuais e 18% na gestão de resíduos urbanos, tal como observado nos dados de 2022.

Esforços na monitorização e conhecimento infraestrutural

Além dos desafios operacionais, o RASARP 2024 evidencia pequenos avanços nos indicadores de monitorização e conhecimento infraestrutural, como o Índice de Conhecimento Infraestrutural (ICI), o Índice de Medição de Caudais (IMC) e o Índice de Conhecimento de Ativos Físicos e Otimização da Recolha (ICAFOR).

No entanto, a ERSAR reconhece que ainda existe um espaço considerável para melhorias, o que ajudará a contribuir para uma gestão mais eficiente, mas também para a implementação de estratégias de economia circular.

Vera Eiró: entre preocupações e perspetivas de melhoria

A presidente da ERSAR, Vera Eiró, manifestou, durante a sessão, as suas inquietações relativamente aos resultados apresentados no relatório. Por exemplo, em relação às perdas de água, a presidente da ERSAR enfatizou que os dados que temos indicam que estas “são extremamente elevadas, tanto em volume — medido em metros cúbicos e litros —, como em termos financeiros, sendo este um dos aspetos mais preocupantes para a sustentabilidade dos serviços." Segundo a dirigente, o volume de água perdido é comparável ao que se produz numa dessalinizadora, o que evidencia a gravidade do envelhecimento das infraestruturas.

Vera Eiró também referiu que, apesar de já ter sido feito um esforço significativo em 2024 para mitigar as perdas e melhorar a eficiência, os resultados desses trabalhos ainda não constam deste mais recente relatório, esperando "uma melhoria no próximo ano”. Assim, embora a tendência atual seja de estabilização — o que, por um lado, impede um agravamento da situação — por outro lado, não se constata uma melhoria substancial que satisfaça as necessidades do setor. A dirigente sublinhou a importância de aprimorar o indicador de qualidade do serviço, especialmente no que diz respeito à eficiência na utilização dos recursos e à recuperação dos custos operacionais.

Ainda de acordo com Vera Eiró, no setor dos resíduos urbanos, a deterioração na recuperação de gastos deve-se, essencialmente, aos investimentos avultados nos sistemas de gestão de resíduos urbanos: estes exigem elevados custos de CAPEX e OPEX que não se refletem na atualização tarifária para os consumidores finais. Este descompasso, que agrava os custos ao longo do tempo, exige que os municípios, agora com maiores competências, repassem esses aumentos para evitar uma progressiva degradação financeira do serviço.

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