A concretização do Direito à Reparação: potencial, limitações e desafios
Em fevereiro último foi finalmente acordado entre as instituições europeias o texto da Diretiva relativa a regras comuns para promover a reparação de bens. Este é um documento legislativo fundamental para promover o direito à reparação e que se articula com outros dois textos legislativos, também recentemente acordados. Em deles é o Regulamento de conceção ecológica de produtos sustentáveis, que promove a circularidade da economia através do estímulo à durabilidade, reutilização, atualização e reparabilidade dos produtos, e que está na base das categorias de produto que serão sujeitos à Diretiva sobre a qual este artigo se debruça. O outro texto legislativo relevante para o tema da reparação é o da Diretiva relativa à capacitação dos consumidores para a transição ecológica através de uma melhor proteção contra práticas desleais e de melhor informação, que define o que pode ou não ser comunicado ao consumidor, entre outros temas, sobre a reparabilidade dos produtos.
O potencial
Esta Diretiva do direito à reparação vem concretizar algumas das reivindicações que as organizações da sociedade civil e muitas empresas que operam na área da reparação, têm vindo a apresentar há vários anos.
Desde logo, apoia a reparação independente e melhora o acesso dos consumidores a opções de reparação a preços acessíveis, introduzindo regras para preços razoáveis das peças e proibindo práticas de software que impedem a reparação independente e a utilização de peças sobresselentes compatíveis e reutilizadas.
Ao facilitar a reparação, esta legislação irá permitir aumentar o tempo de vida útil dos produtos, reduzindo a necessidade de estar sempre a produzir mais e mais equipamentos. Também fomenta o emprego local, visto que a reparação é feita, essencialmente, no local (ao passo que a produção tende a ser longe da UE) e aumenta a resiliência do país e da própria UE a crises, visto que os materiais permanecem úteis durante mais tempo na economia.
As limitações
Contudo, estas regras serão aplicadas, para já, apenas aos produtos para os quais a legislação da UE – conceção ecológica - estabelece requisitos de reparabilidade, nomeadamente: smartphones e tablets, máquinas de lavar roupa, secadores, máquinas de lavar louça, frigoríficos, ecrãs, equipamento de soldadura, servidores e, em breve, aspiradores. Para estas poucas categorias de produtos, os fabricantes serão, pela primeira vez, obrigados a oferecer opções de reparação para além do período de garantia legal de dois anos.
Lamentavelmente, a lei atual também não oferece um acesso amplo a informações sobre reparação e a peças sobresselentes, nem dá prioridade à reparação no âmbito do quadro da garantia legal.
Os desafios
O reconhecimento do Direito à Reparação tem várias implicações para todos os elos da cadeia produtiva e de consumo.
Desde logo, aos produtores que terão necessariamente de investir no ecodesign dos seus produtos de forma a que possam ser mais facilmente reparáveis e terão de disponibilizar peças sobresselentes para agilizar as reparações durante períodos especificados. Do ponto de vista logístico serão necessárias adaptações significativas. Certamente a responsabilidade alargada do produtor, através da integração de critérios de ecomodelação do ecovalor poderá desempenhar um papel importante no estímulo aos produtores para que invistam cada vez mais na reparabilidade e durabilidade dos seus produtos. Esta medida pode ser particularmente relevante para as categorias de produto que não estão, ainda, abrangidas pela Diretiva do direito à reparação.
Garantir a existência de mão-de-obra especializada que possa dar resposta às novas necessidades de reparação é um desafio, mas também uma oportunidade de criação de emprego, mas que deve, desde já, ser considerada em programas de formação, por exemplo, pelas escolas profissionais e centros de formação, de forma a garantir uma resposta atempada ao expectável aumento da procura deste tipo de serviços.
É também fundamental fomentar uma nova cultura pró-reparação. A legislação europeia incentiva os Estados-Membros a introduzir fundos e cupões de reparação, de forma a estimular esta nova prática, num contexto onde reparar nem sempre está no topo das prioridades dos consumidores, seja porque o processo é normalmente demorado e algo tortuoso, seja porque o marketing agressivo e as políticas de preços seguidas tornam o comprar novo atraente. O financiamento destes fundos e cupões pode e deve ter como base o ecovalor pago por cada produto, garantindo que uma dada percentagem é direcionada para iniciativas de fomento à reparação e reutilização. A prevista criação de plataformas digitais para ajudar os consumidores a concretizarem o seu direito a reparar também é uma medida importante.
Temos ainda o desafio da transposição para a legislação nacional, a sua implementação no terreno, bem como o trabalho que terá de continuar a ser feito no âmbito da próxima Comissão Europeia ao nível do alargamento das categorias de produtos abrangidas pelo agora Regulamento Ecodesign. Certamente foi dado um passo importante, mas há ainda um longo caminho a percorrer a bem da circularidade e resiliência da economia.