
À espera do PENSAARP 2030
As alterações climáticas têm vindo a acentuar as disparidades no acesso e gestão do recurso água. Se, por um lado, são cada vez mais frequentes os períodos de seca, por outro lado, são também cada vez mais frequentes os episódios de precipitação intensa num curto espaço de tempo, conhecidos como flashfloods. Acresce que a subida do nível médio da água do mar traz novos desafios para a gestão do litoral. Perante este contexto, torna-se evidente que a gestão da água implica uma visão global e integrada, de modo a garantir a proteção, valorização e recuperação dos recursos hídricos.
A Águas e Energia do Porto tem, desde 2006, um modelo de gestão do ciclo urbano da água que inclui a distribuição de água potável, a recolha e tratamento de águas residuais e, ainda, a gestão das águas pluviais, linhas de água e frente marítima. Trata-se de um modelo inovador, que tem permitido desenvolver estratégias globais de intervenção e adaptação. Por outro lado, a adoção dos princípios do conceito de vanguarda Water Sensitive Urban Design tem potenciado uma economia de escala, através da partilha de recursos, e possibilitado uma visão integrada e global do recurso água. Apesar dos claros benefícios deste modelo de gestão, verifica-se que ainda existe um longo caminho a percorrer até à sua generalização em Portugal.
Nesta senda, importa destacar que o Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP 2030), instrumento norteador das políticas para o ciclo urbano da água, veio dar uma nova importância às águas pluviais, recomendando a sua gestão conjunta com os serviços de abastecimento de água e águas residuais e a minimização do risco de inundação pluvial através da implementação de soluções de base natural.
O PENSAARP 2030 reconhece, ainda, que o investimento na rede de águas pluviais deverá estar intrinsecamente relacionado com as dinâmicas e estratégias de desenvolvimento urbano. Neste sentido, é preconizada a adoção de práticas de desenho urbano que privilegiem a adoção de soluções de drenagem naturais em detrimento das soluções convencionais, como forma de reduzir os custos de instalação e manutenção destes sistemas.
Já no que respeita à sustentabilidade económica e financeira do serviço de águas pluviais, o PENSAARP 2030 aponta cinco opções que vão desde a utilização exclusiva de verbas municipais até à criação de uma tarifa específica em função do nível de impermeabilização. Para entidades gestoras cujo grau de desenvolvimento e de conhecimento das infraestruturas e dos gastos seja elevado, como é o caso da Águas e Energia do Porto, é recomendado que as receitas resultem de uma contribuição conjunta do Município e dos utilizadores.
Trata-se de um modelo de financiamento que, na prática, poderá vir a deparar-se com dificuldades de implementação. Veja-se que, no caso de cidades densamente urbanizadas como o Porto, onde sistemas centenários para a drenagem de águas pluviais coexistem com grandes infraestruturas de linhas de água, o recurso exclusivo a capitais próprios do Município poderá ser inviabilizado pela existência de necessidades locais concorrentes noutros setores. Já a criação de uma tarifa específica afigura-se como uma solução aparentemente mais viável, ainda que esta possa não ser entendida pelos utilizadores, atendendo à heterogeneidade de sistemas em Portugal (unitários vs. separativos).
Acresce que o Ministério do Ambiente e da Ação Climática continua sem avançar com uma data para a aprovação do PENSAARP 2030, penalizando Entidades Gestoras que, simultaneamente, possuem um modelo de gestão integrada do ciclo urbano da água e atuam em territórios dotados de sistemas separativos. Trata-se de uma penalização económica e financeira e, sobretudo, ambiental e social, já que inviabiliza a implementação de ações conducentes à resiliência dos territórios a eventos climáticos extremos, com destaque, no caso do Porto, para as inundações urbanas.
Esta situação é, ainda, agravada pelo caráter fragmentado do modelo de governação nacional de gestão dos recursos hídricos. Estamos perante competências e responsabilidades partilhadas entre a Agência Portuguesa do Ambiente e os Municípios, sendo que estes últimos podem delegar, por exemplo, em entidades gestoras de sistemas de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais, como é o caso do Porto. Esta fragmentação provoca constrangimentos na resolução de problemas que ultrapassam os limites administrativos dos concelhos e dificulta a implementação de estratégias globais de adaptação, que requerem uma abordagem à escala da bacia hidrográfica, incluindo as linhas de água, já que estas são os meios recetores naturais das águas pluviais.