Acordo Ibérico: avanços importantes e expectativas frustradas
Desde a assinatura do recente acordo entre Portugal e Espanha sobre a gestão das águas dos rios Tejo e Guadiana, enquanto as autoridades celebram o acordo como um feito diplomático e um passo importante na resolução de irregularidades que se arrastavam há anos, prometendo caudais mínimos e uma gestão mais integrada das águas, o descontentamento ecoa entre aqueles que esperavam mais deste acordo.
Apesar de todas as críticas, ainda que legítimas, o acordo traz de facto avanços importantes, como o facto de regularizar a captação de Bocachança, que Espanha mantinha de forma ilegal há praticamente 40 anos e colocar regras para a utilização da água do Guadiana, e o compromisso de estabelecer caudais mínimos diários para o Rio Tejo.
Apesar de todas as críticas, ainda que legítimas, o acordo traz de facto avanços importantes, como o facto de regularizar a captação de Bocachança, que Espanha mantinha de forma ilegal há praticamente 40 anos
Contudo, os movimentos e organizações de ambiente que ainda antes de ser formalizado o acordo pediam por uma divulgação pública dos termos em negociação e pelo alargamento aos restantes rios transfronteiriços, algo que nunca viram atendido, olham para este acordo como uma oportunidade perdida de fazer mais e melhor pelos rios transfronteiriços e pela gestão das águas partilhadas.
Já as associações de regantes, que esperavam por uma maior garantia de disponibilidade de água, temem que o acordo venha a favorecer um dos países, criando um desequilíbrio na distribuição da água. Essa perceção, partilhada tanto por regantes portugueses quanto espanhóis, pode colocar o acordo num cenário de possível disputa futura, caso não sejam implementados mecanismos de monitorização e de compensação adequados.
Olhando para o que foi acordado, através do comunicado do Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico de Espanha, o acordo firmado em Faro estabelece, para o Guadiana, o reconhecimento formal das captações de Bocachança (Espanha) e Pomarão (Portugal), bem como do regime de caudais definido unilateralmente por Portugal em 2005, para a secção do Pomarão (2 m3/s), definindo ainda os caudais a captar por ambos os países que, no caso de Portugal terá o objetivo de reforçar o abastecimento de água à região do Algarve. Relativamente aos volumes que cada país pode captar ficou estipulado que iria variar entre os 45 hm3 em anos normais e os 90 hm3 em anos húmidos, dos quais Espanha poderá captar até 60hm3 e Portugal até 30 hm3, nos anos húmidos e metade destes valores em anos normais.
Contudo, esta informação não foi ainda corroborada pelo Ministério do Ambiente e Energia de Portugal, que não transmitiu qualquer informação oficial sobre o assunto, embora na informação que tem vindo a público se refira a possibilidade de ambos os países poderem reforçar os volumes captados em anos muito húmidos, o que coloca em causa o que foi avaliado no Estudo de Impacte Ambiental (EIA) da Solução de Tomada de Água do Pomarão, o qual previa uma captação máxima de 30 hm3, somente entre os meses de outubro e abril.
Do lado espanhol, os agricultores da região de Huelva veem assim ser colocado um travão às pretensões de reforçar a captação de água no Bocachança para os 150 hm3, para abastecer os regadios da Andaluzia, onde a intensificação do regadio de culturas intensivas tem vindo a secar Parque Nacional de Doñana, a maior área protegida de Espanha.
No caso do rio Tejo, embora o compromisso com caudais mínimos diários seja positivo, ele não aborda plenamente as questões de qualidade da água, numa altura em que é preciso garantir que são alcançados os objetivos de bom estado das massas de água, preconizados pelo Diretiva-Quadro da Água, sobretudo tendo em conta que falamos de um rio onde frequentemente ocorrem episódios de poluição e de eutrofização.
Se não houver uma revisão contínua e um acompanhamento próximo deste acordo, o descontentamento inicial pode-se transformar num desafio crescente, colocando em risco a segurança hídrica de algumas das regiões mais vulneráveis da Península Ibérica
Resta ainda a preocupação relativamente à forma como será monitorizado e fiscalizado o cumprimento dos termos do acordo porque o futuro da gestão das águas dos rios Tejo e Guadiana depende, não apenas dos compromissos estabelecidos no papel, mas da sua implementação efetiva e da capacidade de adaptação às novas realidades impostas pela crise climática. Se não houver uma revisão contínua e um acompanhamento próximo deste acordo, o descontentamento inicial pode-se transformar num desafio crescente, colocando em risco a segurança hídrica de algumas das regiões mais vulneráveis da Península Ibérica.
Assim, o recente acordo entre Portugal e Espanha, ainda que positivo em alguns aspetos, evidencia também a complexidade da gestão de recursos hídricos partilhados e as limitações de uma gestão hídrica fragmentada e pouco ambiciosa.