
Afinal, o que é a “fração resto”?
Muito se tem falado da “fração resto” dos resíduos urbanos e sobre qual o melhor destino que lhe devemos dar.
Mas, antes de chegarmos a esse ponto, há que saber o que é exatamente essa “fração resto” que tanto nos preocupa.
Em primeiro lugar, é óbvio que não estamos a falar dos resíduos urbanos indiferenciados, esses dos quais enviámos cerca de 1,5 milhões de toneladas diretamente para aterro em 2023.
Assim sendo, a “fração resto” é seguramente aquela fração dos resíduos urbanos que resulta do tratamento desses resíduos, quer sejam os originados na recolha indiferenciada, quer os da recolha seletiva.
E o que entendemos por tratamento?
No caso dos resíduos da recolha seletiva, estamos a falar das estações de triagem de embalagens e papel e do tratamento do vidro ou da valorização orgânica dos biorresíduos recolhidos seletivamente. E, sim, os rejeitados dessas unidades fazem parte da “fração resto”.
Já no caso dos resíduos urbanos indiferenciados, o tratamento pode ser a incineração, o tratamento mecânico ou o tratamento mecânico e biológico (TMB).
No caso da incineração, parece óbvio que a “fração resto” é composta pelos rejeitados dessas unidades, tais como as cinzas volantes (resíduo perigoso) ou, eventualmente, as escórias, quando não se consegue encontrar um destino para as mesmas que não seja o aterro.
Já no caso do rejeitados do tratamento mecânico, dificilmente poderão ser considerados “fração resto”, uma vez que estes resíduos, com uma grande componente em biorresíduos, ainda podem ser aproveitados para produção de composto, biogás ou até biometano, quando sujeitos a digestão anaeróbia.
Falta agora ver a situação dos rejeitados dos TMB. São “fração resto”? Depende.
Se o TMB tiver uma baixa eficiência (...) isto quer dizer que nos rejeitados ainda existem resíduos (plástico, metal, cartão, vidro e biorresíduos) que poderiam ser desviados de aterro (...)
Se o TMB tiver uma baixa eficiência, como muitos dos que existem em Portugal, nomeadamente abaixo dos 50%, isto quer dizer que nos rejeitados dos TMB ainda existem resíduos (plástico, metal, cartão, vidro e biorresíduos) que poderiam ser desviados de aterro, pelo que, nessas condições, esses rejeitados naturalmente não devem ser considerados como “fração resto”.
Pelo contrário, se o TMB tiver uma eficiência de desvio de aterro da ordem dos 50% ou superior, então estamos perante uma unidade que retirou dos resíduos indiferenciados grande parte dos materiais que podiam ser desviados de aterro, pelo que já fará sentido considerar os seus rejeitados como “fração resto”.
A título de exemplo do que é um TMB com uma alta eficiência no tratamento dos resíduos, temos o caso da Resialentejo, cujo TMB, em 2024, desviou 65% dos resíduos do aterro, tendo já obtido um bom desempenho em 2023 com um desvio de 53%, sendo expectável que, com algumas melhorias ainda a introduzir na unidade, venha a atingir, no início de 2026, um desempenho ainda mais positivo.
Assim, quando pensarmos no desenho de um sistema para a gestão dos resíduos urbanos em Portugal e, em particular, quando tentarmos calcular o quantitativo potencial da “fração resto” originada nos TMB, temos de considerar os melhores desempenhos que a tecnologia já hoje permite, como no caso da Resialentejo, e tomar medidas no sentido de que todos os TMB tenham um desempenho minimamente semelhante a este sistema do Alentejo.
E, é claro, temos de instalar TMB com capacidade para fazer o devido tratamento das 1,5 milhões de toneladas de resíduos urbanos em bruto que anualmente estamos a enviar para aterro.
Em conclusão, só depois de termos aplicado as melhores tecnologias disponíveis nos TMB existentes e construído os que faltam, poderemos finalmente começar a pensar a sério sobre o que fazer à verdadeira “fração resto”.