Água é Vida, é Alimento… Falta o Planeamento
O tema da água, ou da falta dela, tem vindo a impor-se na agenda mediática de uma forma cada vez mais acentuada nos últimos anos. Se por um lado este é um facto positivo, uma vez que se trata de um recurso essencial para a população, para a atividade económica e para a vida de uma forma geral, assim como, aliás, para uma produção agrícola como a nossa, de cariz mediterrânico, que carece de regadio para ser competitiva; por outro lado, é também um facto negativo, uma vez que estou convencido que se fala desta questão apenas devido à escassez de recursos hídricos, motivada por anos recorrentes de seca e por alterações climáticas que põem em causa a regularidade natural da pluviosidade e da própria produção agrícola.
Com efeito, passámos a ter longos períodos de ausência de chuva, entrecortados por períodos mais curtos de chuva intensa. Ou seja, nos médio e longo prazos, a quantidade água resultante da pluviosidade será idêntica à que sempre tivemos, mas será concentrada em tempos curtos. Estas são as projeções dos técnicos e dos cientistas que estudam estas matérias e que nos dizem que dentro de 50 anos teremos em Braga as temperaturas de Beja, mas que continuará a chover a norte da mesma forma, ou melhor, na mesma quantidade, uma vez que devido às alterações climáticas a forma é evidentemente diferente.
" ... se chover muito em determinadas alturas, seguidas por períodos mais longos sem chuva, é precisamente naquelas circunstâncias que terei de ter capacidade de reter a água, para poder usá-la quando não chover."
Ora, ainda que não seja eu propriamente um especialista em clima ou mesmo em gestão de recursos hídricos, facilmente chego à conclusão que se chover muito em determinadas alturas, seguidas por períodos mais longos sem chuva, é precisamente naquelas circunstâncias que terei de ter capacidade de reter a água, para poder usá-la quando não chover. Este é inclusivamente um princípio tão básico da atividade económica, como aliás da atividade humana de um modo geral, que se torna incompreensível resistir à necessidade de implantar infraestruturas de retenção e distribuição de água entre as várias regiões, a nível nacional.
A água é um recurso que teremos de gerir de forma eficaz, tal como gerimos o nosso rendimento. Se formos trabalhadores por conta de outrem, recebemos o salário num determinado dia e não deixamos que desapareça de imediato. Retemos o rendimento para que possamos utilizá-lo, pelo menos, durante os restantes dias do mês. O mesmo se passa na atividade empresarial, quando se fatura, para poder suprir as despesas ao longo de um determinado período, e obviamente o mesmo se passa com a água, tendo em conta que vamos recebê-la num período curto e precisamos de geri-la e distribuí-la pelas necessidades ao longo de períodos maiores, nos quais não choverá.
"É exatamente perante isto que temos vindo a falar da necessidade de urgentemente estabelecer um plano nacional de gestão dos recursos hídricos e de uma rede de infraestruturas de retenção e distribuição de água ao longo do nosso território, que permita gerir os recursos consoante as necessidades de cada região."
É exatamente perante isto que temos vindo a falar da necessidade de urgentemente estabelecer um plano nacional de gestão dos recursos hídricos e de uma rede de infraestruturas de retenção e distribuição de água ao longo do nosso território, que permita gerir os recursos consoante as necessidades de cada região. Falámos inclusivamente de “autoestradas da água” como forma de estabelecer um paralelismo com a importância e o investimento que fizemos em rodovias ao longo de várias décadas.
Alqueva é um exemplo de um grande investimento nesta área que, tal como todos no nosso país, demorou demasiado tempo a implementar, mas que constitui um exemplo do princípio básico associado à retenção de água que teremos de seguir. Sabemos que não é possível replicar Alqueva no nosso país, quer pela sua própria dimensão, quer pela dimensão do território nacional. No entanto, é possível construir pequenas barragens que no seu conjunto acabem por representar outros “alquevas”, para além de necessariamente flexibilizar os processos de autorização pelos quais os agricultores possam eles próprios estabelecer, quando possível, as suas próprias formas de aprovisionamento e retenção, como furos ou charcas.
Não podemos esquecer que se água é vida, também é alimento e, se não podemos viver sem água, também não sobreviveremos sem alimentos. Ora, o que os agricultores fazem é precisamente transformar água em alimentos. Fácil será perceber que se os agricultores não tiverem água, ninguém terá alimentos.
Concentremo-nos nos factos: o caudal do Guadiana é aproveitado em 70%, mas o do Tejo é de apenas 20% e o do Douro de, simplesmente, 7%. Continuará a haver muita água a correr para o mar, para além da muita que podemos ainda utilizar. É, portanto, necessário que o poder político avance o quanto antes com um plano de gestão dos recursos hídricos a nível nacional, e que os próprios partidos políticos estabeleçam um pacto entre si para que o plano e os respetivos investimentos possam avançar.
"São necessários transvazes e pequenas barragens, mas é também necessário aumentar a capacidade de barragens já existentes, assim como repensar os caudais ecológicos e inclusivamente voltar a bombear água já utilizada em barragens."
A solução passa por utilizarmos vários mecanismos que possam completar um sistema nacional de gestão da água. São necessários transvazes e pequenas barragens, mas é também necessário aumentar a capacidade de barragens já existentes, assim como repensar os caudais ecológicos e inclusivamente voltar a bombear água já utilizada em barragens. A hipótese de construir centrais de dessalinização não deve ser excluída, mas trata-se de um recurso de fim de linha, ou seja, após serem adotadas as anteriores medidas e caso ainda assim se torne necessário. As perdas de água nas redes de abastecimento municipal, para consumo urbano, terão de ser combatidas, até porque no que concerne à utilização em regadio, em contexto agrícola, os agricultores têm vindo a fazer um trabalho notável em termos de eficiência. Nas últimas décadas, a utilização média no setor agrícola passou de 14 para 4 metros cúbicos por hectare, pelo que os agricultores portugueses já estão a dar um exemplo muito relevante no que respeita à gestão dos recursos hídricos.