Algarvios não devem pagar a ausência de ação por parte do Governo na última década
O Algarve atravessa um período de seca desde, há pelo menos, dez anos, já que nessa altura, no início do ano hidrológico, tinhamos armazenado água destinada ao consumo humano, para quatro anos. Em outubro de 2023, as nossas reservas davam para pouco mais de seis meses.
Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), estaremos, nas classes de seca extrema no sotavento e em grande parte do barlavento, em seca severa.
Quem está mais atento a estes assuntos, sabe que a situação não tem tendência melhorar, devido às alterações climáticas que estão a ocorrer. Para além destas alterações, ao longo destes dez anos, fomos consumindo mais do que o que armazenávamos.
Obviamente, era e é necessário tomar medidas, visto que todos sabíamos que esta situação iria ocorrer, mais ano menos ano, mas nada se fez para termos outras fontes de água. E essas medidas estruturais, que envolvam o Estado e a região e nos permitam desenvolver formas alternativas de captar/produzir água, podem existir e estão identificadas. Aponto exemplos:
- A nova barragem da Foupana, cujo concurso deveria ser lançado em setembro de 2023;
- A “Tomada do Pomarão”, que se encontra em fase de análise do Estudo de Impacto Ambiental;
- A central de dessalinização, que, ao que sabemos, deverá ter o dobro da capacidade inicialmente prevista, mas que é manifestamente insuficiente para a necessidades existentes.
As câmaras, como a de Faro, apostaram em muitas soluções:
- Sistemas de Telegestão;
- Planos de Setorização da Rede de Abastecimento;
- Contadores com sistema de telemetria;
- Planos de Intervenção e Reabilitação de Condutas;
- Sensibilização e educação ambiental….
Temos tudo isto! Mas, isoladamente, nenhuma câmara ou entidade conseguirá resolver esta situação! Estamos a trabalhar em eficiência, mas continuamos a ter um problema de escassez.
O Governo, face a esta situação grave, publicou uma resolução de Conselho de Ministros com um conjunto de medidas para se poupar água, procurando prolongar a utilização da que se encontra armazenada.
Uma das medidas preconizadas nessa resolução era o aumento do tarifário, medida que teria um efeito imediato na perceção dos cidadãos, para esta problemática. No entanto, tendo em conta a razão para esse aumento, seria uma medida injusta, porque em cada município os preços são muito diferentes. Isso traria uma discrepância na fatura que cada pessoa paga em cada autarquia, já que a diferença de aumento varia de 1 para 20, ou seja, um aumento de 15% em alguns concelhos representava uma subida de 1 cêntimo por metro cúbico de água consumido, noutros seria de 20 cêntimos.
Não nos parece correto que sejam os algarvios a pagar a ausência de ação por parte do Governo na última década. Vamos ter de reduzir consumos? Sim, teremos, mas o que realmente queremos é que exista um olhar estrutural, um olhar global e holístico em relação a estas questões, para que as reduções de consumos sejam efetivamente vistas como um bem pelos cidadãos e que, por parte da governança, exista uma responsabilização no encontrar de soluções duradouras e assentes nos princípios da Eficácia e Eficiência. Estes dois vetores não deverão ser aplicados, somente, no que diz respeito à gestão e controle da água e dos seus gastos e perdas, como, consta do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve; eles terão de ser orientadores para garantir o fornecimento para a agricultura (já que sem produção, não há comida) e todos os demais setores económicos: indústria, turismo, etc..
Temos de conjugar a água proveniente de origens naturais ou convencionais, com a água proveniente de produção "não convencional” e, concertadamente, gerir este recurso, que é, cada vez mais, um fator crítico para o desenvolvimento, para o bem comum, pois é tão valioso quanto a própria vida.
A ciência, a governança, a sociedade civil, todos têm de ter força e coragem para AGIR! –, cientes de que há evidências, de que o mundo precisa de mudar a forma como fazemos a gestão dos recursos naturais, das pessoas, dos bens, para que possamos deixá-lo, às gerações futuras, em condições de haver vida e vida com qualidade. Porque por muito crentes que sejamos, a fé não resolverá nada, se não arregaçarmos as mangas, se não pensarmos de forma colaborativa e se não percebermos que só nós podemos encontrar a solução para este problema!
As alterações climáticas existem e não vão terminar! Pelo contrário: acentuar-se-ão, pelo que se torna OBRIGATÓRIO encontrar as soluções que melhor poderão colmatar as dificuldades que vamos atravessar.