
As cheias e a defesa das reservas ecológica e agrícola
As cheias recentes levam-nos a aumentar a importância das Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional, tornando-as mais exigentes nos respetivos regimes jurídicos e obrigando as autoridades que as administram a um maior rigor e transparência das decisões. Se não tivesse havido tanta transigência na gestão destas duas reservas, muitas das cheias não teriam tido as consequências que se verificaram. Por outro lado, não foram realizadas as obras necessárias para que a cheia não se tivesse formado.
Se não tivesse havido tanta transigência na gestão destas duas reservas, muitas das cheias não teriam tido as consequências que se verificaram
Para obstar a que se repita a construção de habitação, indústria e turismo nestas duas reservas, há que modificar a legislação existente e consignar a proibição deste tipo de construção nestas reservas. Por exemplo, o artigo 12, parágrafos 2 e 3, do Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de março, deve ser reformulado no sentido de proibir a construção, mesmo que destinada a habitação social. A importância da habitação social justifica que a Administração Central e que os Municípios procurem terrenos que não estejam abrangidos por qualquer destas reservas. Será uma solução fácil, porque eventualmente os solos serão mais baratos, mas totalmente errada porque não respeitam os grandes princípios básicos do Ordenamento do Território e do Urbanismo e a sua alteração apresenta impactos desastrosos.
Na nossa ótica, os novos regimes jurídicos devem proibir a construção para habitação, turismo ou indústria, só a admitindo em casos verdadeiramente excepcionais, com a realização de Avaliação Ambiental Estratégica, e por decisão do Conselho de Ministros.
Há que agir rapidamente porque alguns Municípios pretendem construir habitação social em terrenos da Reserva Agrícola Nacional.
Há que agir rapidamente porque alguns Municípios pretendem construir habitação social em terrenos da Reserva Agrícola Nacional
A Importância da RAN para minimizar os impactos das cheias está relacionada com a capacidade de absorção dos solos e com a substancial redução da simultaneidade, ou seja, na capacidade que os solos têm de reduzir a velocidade de drenagem e consequentemente diminuir o caudal da cheia. Salientamos igualmente a importância destes solos para a produção agrícola, podendo assegurar parte da subsistência alimentar em caso de guerra que diminua a capacidade de importação, como aconteceu recentemente com a Guerra na Ucrânia. Podem contribuir para a produção social de alimentos, designadamente através de hortas sociais e hortas urbanas, que os cidadãos cuidam e usufruem alimentos a preços mais reduzidos.
As entidades oficiais que administram estas duas reservas devem ter sempre presente a sua correta manutenção, minimizando as alterações de uso que permitam a construção. As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional deveriam publicar semestralmente, para consulta pública, um quadro síntese das alterações verificadas em cada município. Estas alterações devem ser de fácil análise pelo cidadão.
Estas reservas foram criadas pelo saudoso Arquiteto Ribeiro Teles, em 1983, tendo sido alteradas diversas vezes, ora tornando-as mais de acordo com os objetivos iniciais, ora menos eficazes.
Segundo o World Economic Forum, que reunirá em Davos no presente mês de janeiro, os cinco riscos que a humanidade encara nos próximos dois anos serão:
- O custo de vida durante a crise
- Os desastres naturais e os eventos climáticos extremos
- A confrontação geoeconómica
- A falha em mitigar as alterações climáticas
- A polarização social
Estes riscos devem mobilizar a preocupação em conservar as reservas ecológica e agrícola assim como na realização das infraestruturas necessárias para mitigar as cheias. Estas infraestruturas podem assumir diferentes formas, tais como: bacias de retenção, barragens, cisternas subterrâneas urbanas (como o sistema G-Cans, de Tóquio, uma gigante cisterna subterrânea que retém 540000 m3 de águas pluviais), cisternas de grandes edifícios (como aeroportos, centros comerciais, hospitais, fábricas, oficinas, habitação, com reaproveitamento das águas pluviais em rega, limpezas e recarregar os autoclismos, etc.), grandes túneis de drenagem de águas pluviais.
Nova legislação deveria obrigar à existência de cisternas para retenção e reaproveitamento de águas pluviais em edifícios com maiores dimensões, como acontece, por exemplo, em Singapura.