Combustíveis Sustentáveis na Aviação: A urgência de acelerar, não apenas anunciar

Combustíveis Sustentáveis na Aviação: A urgência de acelerar, não apenas anunciar

Num momento em que a descarbonização da aviação se tornou imperativa, o alerta da Boston Consulting Group (BCG) de que a produção de Sustainable Aviation Fuel (SAF) poderá falhar as metas de 2030 veio reforçar preocupações já apontadas por outras fontes. A International Energy Agency (IEA) indica que menos de 0,1% do combustível usado hoje é SAF e que, mesmo com os projetos planeados, só se atingirá 2–4% da procura em 2030. O cenário Sustainable Development Scenario (SDS) da IEA projeta 10% em 2030 e 20% em 2040. A Bloomberg acrescenta que, nos EUA, o aumento do uso de SAF exigirá multiplicar por 30 os níveis atuais. A McKinsey estima 1,5 Mt de SAF produzidos em 2024, podendo chegar a 16 Mt até 2030. Em Espanha, prevê-se 0,4 Mt/ano de capacidade até 2030.

A aviação representa 2–3% das emissões globais de CO₂ e cresce com a mobilidade internacional. Com alternativas tecnológicas ainda limitadas, os SAF surgem como a principal opção transitória, podendo reduzir até 80% das emissões. No entanto, o seu uso ainda está muito aquém do necessário.

A situação exige ação governamental decisiva. Não se trata apenas de uma meta ambiental: SAF é uma questão de política industrial, inovação e soberania energética.

As barreiras são bem conhecidas: escassez de matérias-primas (biomassa, resíduos, CO₂ verde), custos 3 a 5 vezes superiores ao querosene, incerteza regulatória e falta de contratos estáveis. Sem um mercado claro e previsível, o setor privado hesita em investir. A situação exige ação governamental decisiva. Não se trata apenas de uma meta ambiental: SAF é uma questão de política industrial, inovação e soberania energética.

É urgente escalar a produção e o consumo, compensar custos com instrumentos como CfD (Contratos por Diferença), harmonizar certificações regionais e investir em múltiplas rotas tecnológicas (HEFA, ATJ, FT, e-fuels)*. A expansão dos e-combustíveis será estratégica, mas exige forte apoio regulatório.

A UE deu um passo com o Regulamento ReFuelEU Aviation (outubro de 2023), com metas obrigatórias de mistura: 2% em 2025, 6% em 2030 e até 70% em 2050. Mas as metas só serão credíveis se acompanhadas de mecanismos financeiros, hubs industriais (em países como Portugal, Espanha ou França) e inovação em e-fuels baseados em hidrogénio verde e CO₂ capturado. O regulamento AFIR (regulamento europeu relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos) complementa, exigindo provisão de energia elétrica nos aeroportos, mas sem metas de SAF, que são da competência do ReFuelEU.

Portugal possui condições naturais e tecnológicas para ser produtor estratégico de SAF: biomassa abundante, potencial de eletrólise renovável, portos e infraestrutura industrial. O Plano de Ação para o Biometano (PAB), aprovado em 2023, não trata os SAF como prioridade direta, mas reconhece a possibilidade de usar o biometano como matéria-prima para SAF, em coerência com as diretivas RED II/III.

Abre-se assim espaço para sinergias com outras estratégias de descarbonização e com regulações europeias que incentivam o uso de combustíveis avançados na aviação. É essencial integrar o biometano na cadeia de valor dos SAF, aproveitando processos como gas-to-liquid ou power-to-liquid.

A Aliança para a Sustentabilidade da Aviação (ASA), lançada em janeiro de 2025 com 40 M€ do Fundo Ambiental, surge como mecanismo operacional para mobilizar o setor. Reúne operadores aéreos, academia, fornecedores de combustível e entidades públicas com os seguintes objetivos:

  • descarbonizar a aviação alinhada com a neutralidade climática até 2050;
  • lançar concursos para produção de SAF com apoio financeiro;
  • apoiar a construção de unidades industriais (como a prevista pela Galp em Sines, para 2026).

A ASA pretende consolidar a procura (reduzindo risco e atraindo investimento), definir normas e contratos, e formar consórcios para escalar produção e investir em tecnologias como e-fuels e metanol verde.

Conclusão

A descarbonização da aviação é um teste decisivo à seriedade das políticas climáticas. Sem SAF em escala até 2030, comprometeremos metas ambientais e o próprio Pacto Ecológico Europeu. Portugal tem condições para liderar, mas só o fará com uma abordagem estratégica, integrada e ambiciosa — articulando regulação, indústria, inovação e ação pública coordenada.

 

*HEFA, ATJ, FT, e-fuel são tecnologias e rotas de produção de Combustível de Aviação Sustentável (SAF), cada uma com suas características e matérias-primas específicas. HEFA (Ésteres e Ácidos Graxos Hidroprocessados) usa óleos e gorduras, ATJ (Álcool-para-Jato) converte álcoois, e FT (Fischer-Tropsch) converte gás de síntese. E-fuel, ou combustível sintético, é um termo mais amplo que engloba combustíveis produzidos a partir de eletricidade e CO2 capturado, podendo ser utilizado em diversas aplicações, incluindo a aviação.

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