Desatar o nó górdio do aeroporto de Lisboa

Desatar o nó górdio do aeroporto de Lisboa

Podemos fazer duas afirmações consensuais sobre o aeroporto de Lisboa: (i) a região de Lisboa precisa de um aeroporto funcional; (ii) hoje o Aeroporto Humberto Delgado (AHD) na Portela funciona mal e tem impactes inaceitáveis sobre a vizinhança.

Não há soluções fáceis, muito menos que contentem todas as partes interessadas. Graças à avaliação ambiental estratégica, defendida há muitos anos pelas organizações ambientalistas e recentemente realizada pela Comissão Técnica Independente, temos hoje bastante mais informação do que há um ano — mas nem por isso estamos mais perto do consenso. O trabalho da CTI tem mérito, mas deixou de fora aspetos importantes. Talvez estejamos a fazer as perguntas erradas…

Primeira questão: Que modelo de desenvolvimento queremos? Vamos levar a sério o Pacto Ecológico Europeu, que requer uma boa gestão de recursos naturais e a transferência de parte do tráfego aéreo para a ferrovia? Ou vamos continuar a acreditar no mito de que a salvação da Pátria depende de obras megalómanas? Queremos obras de fachada ou queremos resiliência climática, coesão social e territorial e turismo de qualidade? O assunto é complexo, mas absolutamente essencial para o futuro do país. Infelizmente, tem estado quase completamente arredado do debate público, em particular dos trabalhos da CTI e da recente campanha para as eleições legislativas.

Segunda questão: O AHD vai manter-se na Portela ou não? Há argumentos de peso em ambos os sentidos: a favor da manutenção, destaca-se a conveniência da proximidade à cidade; a favor da saída clamam os impactes sobre a mesma cidade, em especial o ruído de vizinhança que já ultrapassou todos os limites. É uma decisão complexa, que dificilmente será tomada a curto prazo.

Terceira questão: quais as soluções para mitigar os graves problemas do AHD? Seja qual for a localização ou o timing de um novo aeroporto, o contexto internacional desfavorável e o enorme esforço requerido para construir um aeroporto de raiz implicam que teremos de conviver com aviões na Portela, durante uma década ou mais. As soluções são óbvias e deviam ser prioritárias, mas estranhamente quase não são debatidas no espaço público. É necessário e urgente atuar em pelo menos quatro vertentes: (i) promover a requalificação dos edifícios afetados em matéria de isolamento acústico; (ii) otimizar os serviços aeroportuários na Portela; (iii) substituir o máximo de tráfego aéreo por ferroviário, o que implica um plano ferroviário credível e centrado nas necessidades dos utentes (que hoje não existe); (iv) viabilizar a complementaridade do AHD com os aeroportos já existentes, em especial Beja, mas também o Porto, recorrendo a ferrovia moderna. Naturalmente os pontos (iii) e (iv) estão ligados entre si e com o modelo de desenvolvimento.

Quarta questão: Qual a melhor localização para um novo aeroporto? Estão em cima da mesa quatro sítios: BA6 (Montijo), Campo de Tiro de Alcochete, Vendas Novas e Santarém. Montijo é de longe a pior opção: tem os mesmos conflitos de vizinhança que a Portela sem nenhuma das vantagens; não tem capacidade de expansão; não tem acesso ferroviário; está em área de alto risco face a fenómenos meteorológicos extremos e tsunami; apresenta elevado risco de colisão com aves, devido à proximidade da Reserva Natural do Estuário do Tejo, com implicações na segurança aeronáutica e na conservação da Natureza; além de ser uma base aérea essencial quer para missões militares quer de serviço público. Das outras três localizações, a mais desfavorável numa perspectiva de sustentabilidade é Alcochete: está no meio da grande reserva estratégica de água do País, o aquífero do Baixo Tejo; implicaria o abate de uma vasta área de montado; teria os custos mais elevados de acessos e outras infra-estruturas, inevitavelmente pagos pelo erário público; iria requerer a criação de uma nova cidade aeroportuária construída de raiz e a criação de um campo de tiro alternativo; em suma, seria mais um "elefante branco", um encargo monumental para os contribuintes, na vaga esperança de conseguir vir a ser um dia, talvez, o mítico hub intercontinental. Por exclusão de partes, sobram para discussão ulterior as localizações de Santarém e Vendas Novas — menos problemáticas que as anteriores, qualquer delas com vantagens e desvantagens.

Não há solução ideal para o aeroporto de Lisboa. Mas há, certamente, decisões prioritárias, nomeadamente a mitigação urgente dos graves problemas da AHD. Esperemos que os novos governantes mostrem agora um sentido de Estado, que nesta matéria tem escasseado.

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