Finalmente o Pomarão!
Finalmente, depois de muitos anos a discutir o assunto, foi fechado o acordo para o regime de caudais do Guadiana na secção do Pomarão, entrada do rio no seu troço internacional de jusante que faz o seu estuário.
Há duas situações possíveis, qualquer delas que justificaria o meu entusiasmo: todos contentes, portugueses e espanhóis, ou todos infelizes! Aparentemente é esta segunda situação que se verifica... que evidencia o desconhecimento generalizado da situação que se vivia e dos termos do acordo alcançado!
Não, esta questão não se arrasta desde 1998, quando foi assinada a Convenção de Albufeira, arrasta-se desde 1985, quando, depois de concluída a construção da barragem do Chança, os nossos amigos espanhóis não desativaram a estação elevatória de Bocachança que haviam sido autorizados em 1973 (!), pela Comissão dos Rios Internacionais, a instalar a jusante desta barragem, já na margem esquerda do Guadiana, para antecipar o transvase de águas desta bacia para a região de Huelva e para a rega na Andaluzia, bacias dos rios Piedras, Odiel e Tinto, três bacias puramente espanholas que ficam entaladas entre os rios Guadiana e Guadalquibir, transvase esse que o convénio de 1968 autorizava.
É razoavelmente conhecido o regime de caudais que foi estabelecido na Convenção de Albufeira por comum acordo das Partes para a secção de Badajoz/Caia, entrada do rio no seu troço intermédio: anuais, em 1998, trimestrais, em 2008 no 2º Protocolo Adicional. São obrigações que foram assim fixadas à parte espanhola para benefício da parte portuguesa e do seu projecto de Alqueva, que passam por realizar, se necessário, descargas a partir das albufeiras espanholas a montante desta secção. Ao contrário do que foi então feito para os outros rios internacionais, não foi acordado um regime para a secção de entrada do rio no seu estuário, obrigação para a Parte portuguesa, tendo Portugal definido unilateralmente esse regime (de caudais ecológicos, apenas) em 2005 quando teve de fechar o processo de AIA do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) para viabilizar os apoios financeiros da UE ao projecto, como veio a acontecer. Nessa ocasião a Comissão Europeia interpelou o Governo Espanhol sobre se este se sentia confortável com a situação e este respondeu afirmativamente, tendo mesmo declarado que asseguraria os caudais vindos de montante necessários ao sucesso do empreendimento, como está a suceder. Esta atitude tão amistosa tinha de ser retribuída com um regime de caudais para esta secção que fosse ao encontro das necessidades dos nossos vizinhos, é bem de ver.
O que foi agora acordado é muito simples: Espanha está autorizada a levar para o seu território um máximo de 60 hm3/ano de águas deste rio, entre Dezembro e Abril, época húmida, em anos de precipitação média, 30 hm3 em anos secos, e Portugal pode levar idênticos volumes (agora reduzidos a metade) para o Algarve. Com isto a captação da Águas do Algarve no Pomarão fica viabilizada e a captação de Bocachança vê a sua situação regularizada do ponto de vista do direito. Tudo isto sem colocar em causa os caudais ecológicos definidos por Portugal em 2005, que passam a ter consagração convencional. Esta solução coloca alguma pressão adicional sobre a exploração de Alqueva, mas tal seria sempre inevitável se queríamos fechar um acordo sobre o regime de caudais deste rio para aquela secção.
As vantagens para as duas Partes são evidentes. Para além de se ter encerrado uma disputa que se arrastava há demasiado tempo, regularizou-se a situação da captação de Bocachança (que vinha bombeando os caudais ecológicos libertados por Alqueva durante a época seca, com evidentes prejuízos para o estado das massas de água estuarinas) e deu-se consistência ao projecto das Águas do Algarve. Adicionalmente ficou acordado que os agricultores (espanhóis) da margem esquerda do Guadiana que captam água da albufeira de Alqueva passam a pagar por essa água a tarifa que os da margem direita já pagam, o que suscitou alguma indignação da parte das associações que os representam, como se poderia esperar.
As vantagens para as duas Partes são evidentes. Para além de se ter encerrado uma disputa que se arrastava há demasiado tempo, regularizou-se a situação da captação de Bocachança (...) e deu-se consistência ao projecto das Águas do Algarve
Mas na mesma ocasião foi acordado que os caudais semanais mínimos a lançar pela Parte espanhola em Cedillo para cumprir com o disposto no 2º Protocolo Adicional, 7 hm3/semana, passam a diários, 1 hm3/dia, o que corresponde a um caudal contínuo de aproximadamente 12 m3/s uma vez regularizados nas albufeiras de Fratel e Belver. Nada obsta a que esse volume seja turbinado em Cedillo e o mesmo seja feito em Fratel, uma vez que a cauda das albufeiras das barragens do lado português chegam ao pé da barragem de montante e por isso o contínuo hidráulico está assegurado. Quanto a Belver, a APA já chegou a um entendimento com a EDP para que esta empresa turbine duas vezes por dia, 7 dias por semana, para garantir um caudal regular no Tejo a jusante. Na falta de um dispositivo para o lançamento de caudais ecológicos naquela barragem, esta é a solução possível para garantir aqueles caudais a jusante.
A solução para o Tejo está longe de ser perfeita, mas para que possamos assegurar um caudal mínimo de 25 m3/s à entrada do rio no seu estuário, necessário para conter o avanço da cunha salina, há que contar também com a participação das albufeiras portuguesas nesta bacia, que têm uma capacidade de regularização de caudais não negligenciável: cerca de 1500 hm3 só na bacia do Zêzere, dos quais 600 hm3 na albufeira do Cabril, aproveitamento hidroelétrico este que regressou ao domínio público do Estado em 2022 e que, portanto, pode ter agora um regime de exploração que atenda a outros fins que não puramente hidroelétricos! Com este volume é possível assegurar um caudal contínuo de 40 m3/s durante os 6 meses da época seca, que se somariam aos que chegam de Espanha, que são também eles muito importantes (2.700 hm3/ano em anos não excepcionados).
A questão que muitos esquecem é que não podemos ficar completamente dependentes da gestão que é feita em Espanha das águas destas bacias tão importantes (as suas afluências representam cerca de 50% do total das águas que correm em todos os rios da Península Ibérica), temos de fazer a nossa parte! Quando, no final de 2007, o Governo aprovou e divulgou a lista das barragens às quais reconhecia um elevado potencial hidroelétrico, onde se incluía o Alvito, no Ocreza (lançou o concurso para a sua concessão), esqueceu-se de que já não estamos em condições de dividir o país ao meio como foi feito na década de 1950: o Norte do Tejo, incluída a sua margem direita, para os aproveitamentos hidroelétricos, e o Sul para os hidroagrícolas. Até mesmo a necessidade de combater as alterações climáticas com a produção de energias renováveis e a necessidade de sustentar os aproveitamentos hidroagrícolas que se vêm desenvolvendo por iniciativa dos agricultores (o Estado, se exceptuarmos o EFMA, tem estado ausente) justifica que os investimentos em novas barragens (e a renovação das concessões daquela cujos contratos estão próximos do seu fim, como acontece com Belver, 2027, amanhã (!), e o Castelo do Bode, 2032, depois de amanhã (!) seja realizado em empreendimentos de fins múltiplos, à semelhança do que foi feito com Alqueva.
A questão que muitos esquecem é que não podemos ficar completamente dependentes da gestão que é feita em Espanha das águas destas bacias tão importantes (as suas afluências representam cerca de 50% do total das águas que correm em todos os rios da Península Ibérica), temos de fazer a nossa parte!
Quando, em 2022 os nossos vizinhos espanhóis sentiram dificuldade em cumprir com o regime de caudais trimestrais no rio Douro à entrada de Portugal, e as autoridades dos dois países tiveram de se sentar à mesa para chegarem a um entendimento, tendo Portugal aceite que Espanha não lançasse para jusante águas de que necessitava para satisfazer as necessidades de consumo de cidades importantes naquela bacia, estavam armazenados cerca de 600 hm3 na albufeira do Baixo Sabor (que estava a funcionar em circuito fechado, turbinando para a albufeira do seu contraembalse durante as horas de ponta e bombeando de volta durante as horas de vazio). Ou seja, tínhamos toda a água necessária para os usos identificados (garantia de navegabilidade do Douro, alimentação de água às populações ribeirinhas, etc.). Mas era mais fácil reclamar de Espanha por águas que lhes faltavam do que exigir da EDP que lançasse águas desta albufeira para jusante!
A convenção de Albufeira é vista como mais vinculante do que os contratos de concessão celebrados com empresas privadas, é a conclusão a que temos de chegar!