
Governo garante financiamento para futuro agrícola e ambiental do Baixo Vouga Lagunar
A 10 de abril de 2025, foi aprovada, em Conselho de Ministros, a Resolução n.º 83/2025, que vem garantir financiamento para a defesa do Baixo Vouga Lagunar. O investimento será suportado por fundos europeus e nacionais, envolvendo o FEADER – Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, que irá disponibilizar até 14,6 milhões de euros nos anos de 2025 e 2026, e o Fundo Ambiental, com uma contribuição de até 10,4 milhões de euros para os anos de 2027 e 2028.
Importa, antes de mais, destacar a “génese” do território aluvionar do BVL - Baixo Vouga Lagunar, que se desenvolve no distrito de Aveiro, abrangendo áreas geográficas dos concelhos de Estarreja (54%), Albergaria-a-Velha (33%) e Aveiro (13%). Território “moldado” pela atividade agrícola, onde os agricultores, no desenvolvimento da sua atividade ao longo dos tempos, abrindo valas, plantando e desbastando sebes, semeando os campos, regulando as águas, moldando a riqueza e a diversidade da sua importante paisagem, com que hoje nos deparamos, são os verdadeiros “gestores do território”, sem os quais o “Baixo Vouga Lagunar” deixaria de ser e de se reconhecer enquanto e como tal.
Sendo os Agricultores os verdadeiros gestores do território, assumem assim uma especial importância no BVL, ao gerirem o seu Ambiente que à Agricultura tudo deve!... num recente território que “gerações agrícolas” precisaram e souberam moldar e procuram cultivar.
Sob a permanente ameaça da intrusão salina e das cheias, vão procurando defender-se de umas águas e valorizando outras, desenvolvendo a sua atividade económica principal, ou em complemento dos seus rendimentos noutros setores de atividade, ou mesmo quando na sua “aposentação” da vida ativa!
Um território com cerca de 3000 ha, pertencentes a cerca de 3800 proprietários e repartidos por cerca de 9300 prédios (é o “minifúndio” na sua expressão máxima!), com uma importante inserção social, do qual depende, direta ou indiretamente, um muito significativo número de famílias, no contexto de um verdadeiro “apego” à terra e ao seu modo de vida, que importa realçar e ter sempre presente.
O BVL faz parte de um vasto ecossistema, sendo considerado como uma das mais notáveis zonas húmidas portuguesas e integra a Zona de Proteção Especial da Ria de Aveiro
O BVL faz parte de um vasto ecossistema, sendo considerado como uma das mais notáveis zonas húmidas portuguesas e integra a Zona de Proteção Especial da Ria de Aveiro. Caracteriza-se e distingue-se pela diversidade e especificidade. Estas duas características resultam da interação do homem com o clima, da intensa relação terra/água, dos terrenos suaves de formação recente, da fertilidade dos solos e da água em abundância.
Características que se traduzem numa paisagem constituída por vários habitats que interagem entre si e com os sistemas exteriores ao próprio Baixo Vouga Lagunar, sendo precisamente a preservação desta diversidade e especificidade o fator determinante da sua mais-valia Ambiental.
No BVL, distinguem-se três unidades homogéneas de paisagem, designadas por Campo Aberto, Sistemas Húmidos (dulçaquícolas) e “Bocage” (esta última definida por uma “paisagem de campos agrícolas compartimentados por sebes e valas, plantadas e geridas pelos agricultores”), interligadas entre si por uma densa rede de corredores constituída por esteiros, valas, sebes e caminhos.
Inúmeros estudos efetuados mostram de forma inequívoca o aumento da água salgada neste território, bem como os efeitos nefastos das cheias descontroladas das linhas de água, que periodicamente afetam a área do BVL, por colapso das precárias infraestruturas de defesa existentes. As intervenções sucessivas na Ria de Aveiro, com especial relevância as decorrentes do alargamento e aprofundamento do canal da “barra” para acesso de navios de maior calado ao porto de Aveiro e de dragagem dos canais interiores, têm sido responsáveis em parte pela crescente intrusão salina no Baixo Vouga Lagunar. O problema mais denunciado e reconhecido pelas populações e comunidades em geral … “marés” cada vez “mais oceânicas” no interior, na laguna “Ria de Aveiro”!
Neste contexto, destaca-se a importância da obra de Defesa Primária do BVL, cuja necessidade se resume em três pilares fundamentais:
1.Gestão sustentável da água
O BVL é um aproveitamento hidroagrícola diferente dos demais a nível nacional por não ter estruturas de rega, não captar e não vender água ... tão apenas utilizar-se a água contrariando a sua perda, num serviço de aproveitamento de águas no “final de linha” da bacia hidrográfica do rio Vouga. A gestão da água é aqui assumida pelos agricultores ao procurarem, por um lado, impedir a entrada de água salgada neste território e, por outro, procurarem manter um nível freático de água doce/salobra próximo da superfície dos solos agrícolas. Para tanto contando com o reforço e melhoramento do sistema tradicional de defesa contra marés e com a existência de um sistema coerente e funcional de valas a céu aberto. Valas que desempenham funções simultâneas de rega/abastecimento de água, especialmente no período primavera/verão, e de drenagem, ao removerem o excesso de água no período outono/inverno, assim contribuindo para a gestão e manutenção de toda a “zona húmida” do BVL.
(...) os Agricultores são simultaneamente devedores e credores da utilização da água, devendo ser entendidos como os verdadeiros “atores” responsáveis pela gestão de um espaço em que só a viabilidade económica da sua atividade permite preservar e promover o Ambiente (...)
Desta forma, assume-se a sustentabilidade de um sistema em que, no limite, os Agricultores são simultaneamente devedores e credores da utilização da água, devendo ser entendidos como os verdadeiros “atores” responsáveis pela gestão de um espaço em que só a viabilidade económica da sua atividade permite preservar e promover o Ambiente num território moldado pela sua intervenção. E com esta gestão todos saem beneficiados, a Agricultura e o Ambiente.
2. Gestão sustentável do solo e dos ecossistemas
O território do BVL, defendido por “motas”, construídas em lodo ou terra batida, confina com a água salgada da Ria de Aveiro e dos seus esteiros. Motas que, sendo galgadas pela água das marés, vão salinizando os solos, assistindo-se a uma gradual perda dos férteis solos de aluvião.
Muito em especial os terrenos agrícolas do “Bocage”, um sistema cultural de produção resultante da atividade agrícola ao longo de gerações, uma distinção e raridade na paisagem portuguesa, que encontra neste território a sua expressão máxima ao nível da Península Ibérica.
Importa, pois, suster este processo de salinização dos solos, sob pena de se alterarem irremediavelmente os ecossistemas e toda a paisagem que lhes está associada, por destruição dos sistemas culturais e de produção agrícola que mantêm o Baixo Vouga Lagunar.
3. Conservação e valorização dos recursos genéticos
Além dos recursos genéticos associados a uma muito significativa diversidade florística (registam-se mais de quatro centenas de espécies botânicas!...) e faunística (outras tantas espécies, entre vertebrados e invertebrados), importa referir que é neste território do Baixo Vouga Lagunar que se encontra o “solar” da raça bovina “marinhoa” (“marinhoa” = das “marinhas” de arroz ... de Aveiro!), raça autóctone em risco de extinção, cujo potencial genético tem um apoio comunitário específico para a sua manutenção e exploração zootécnica em linha pura.
Além dos recursos genéticos associados a uma muito significativa diversidade florística (...) e faunística (...) importa referir que é neste território do Baixo Vouga Lagunar que se encontra o “solar” da raça bovina “marinhoa”
Compreende-se e justifica-se, pois, a importância do financiamento da obra de Defesa Primária do Baixo Vouga Lagunar pelo FEADER-Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e pelo Fundo Ambiental. Este último apoio financeiro nacional assume assim uma estratégia mais diversificada e robusta de financiamento da Agricultura, que não apenas compensar as atividades que sequestram carbono, redução de emissões de gases de estufa, regularização de recursos hídricos, gestão de resíduos, etc.
Financiamento que a “Agricultura” e o “Ambiente”, justamente em parceria, reclamam e agradecem, contribuindo para a efetiva defesa e sustentabilidade do território do Baixo Vouga Lagunar … um território único … agrícola, ambiental, cultural, evolutivo e vivo.